MEU PAI

Ano 1957, Estádio Municipal do Pacaembu São Paulo.

Com dez anos de idade meu pai me levava pela primeira vez a um campo de futebol.

Para meu êxtase era um jogo noturno. O clarão dos potentes holofotes do estádio podia ser visto de longe, quanto mais nos aproximávamos aumentava ainda mais a ansiedade.

Meu pai segurava firme minha mão para que eu não me perdesse entre a multidão, assim deslumbrado entrei pelo portão principal que tanto ouvira falar através dos narradores e repórteres esportivos do rádio, um frio na barriga, uma emoção incontida que jamais esquecerei na minha vida.

O som tocava alto uma música que não consigo lembrar, e se misturava ao barulho da multidão inquieta aguardando o início do jogo.

Entramos pelo lado direito do campo e caminhamos em direção as cadeiras numeradas cobertas bem próximas da antiga Concha Acústica que na época ainda existia. Posteriormente foi demolida e criado o chamado Tobogã com o intuito de aumentar a capacidade de público.

Quando nos acomodamos em nossos lugares, observei extasiado aquele cenário. O verde maravilhoso do gramado, as traves simetricamente postadas. As linhas brancas que corriam sobre a grama e demarcavam o campo de jogo.

Sob a luz forte dos holofotes foi uma das visões mais lindas que eu tive em toda a minha vida.

Incrédulo por estar ali e a poucos instantes de ver desfilar os maiores ídolos da minha vida, o coração queria saltar do peito.

Assistia a movimentação das pessoas procurando seus lugares, dos repórteres correndo de um lado para o outro dentro do campo, observava as cabines de transmissão de rádio, e a alegria do público confiante na vitória do seu time do coração.

O jogo era um clássico tradicional paulista, São Paulo e o meu amado Corinthians.

Estava nervoso, inquieto na expectativa de ver meu time entrar em campo.

Meu pai a toda hora pedia que eu me acalmasse e sentasse, mas era impossível para aquele menino que estava vivendo uma noite de um sonho deslumbrante.

Sorvete, pipoca, amendoim eram oferecidos pelos ambulantes, meu pai tentava me distrair com as guloseimas para que eu abaixasse a minha ansiedade, impossível, nada conseguia me conter e ficar ali sentado.

Entrei em estado de delírio no momento mágico que o time do Corinthians apareceu, eu conhecia todos os jogadores, com a camisa branca e calção preto, o preto e branco que coloriu todos os meus sonhos de infância de um menino que deslumbrava um dia ser um jogador de futebol no seu time do coração.

Nesse momento foi tanta emoção em ver meus ídolos correndo para o centro do gramado que não consegui me conter, e como um menino apaixonado por futebol comecei a chorar. O barulho e o clarão provocados pelo pipocar dos rojões alimentavam ainda mais a minha emoção.

Meu ídolo maior daquele time era o goleiro, não era um simples goleiro, depois se tornou uma lenda até os dias de hoje, Gilmar dos Santos Neves, que seria campeão do mundo no ano seguinte em 1958 na Suécia levando o Brasil a conquistar seu primeiro título mundial de futebol.

Com seu uniforme todo preto e com o escudo do Corinthians estampado no peito era a figura mais nítida que eu tinha de um herói.

Alto, esguio, com aquele uniforme lindo, eu tinha um igual em casa que meu pai havia me presenteado, e só não estava uniformizado naquela noite porque minha mãe fez de tudo para me dissuadir a não ir vestido com ele ao estádio.

De repente durante o bate bola antes do jogo a bola veio perto do alambrado ele veio buscá-la e eu pude vê-lo de perto, era exatamente como nas fotos de revistas que eu colecionava e a dos álbuns de figurinhas.

Lembro-me pouco do jogo em si, mas jamais esquecerei uma jogada. Uma bola que o centro avante do São Paulo Gino, recebendo um cruzamento do Maurinho pela direita, quase na pequena área da uma cabeçada fortíssima no ângulo, indefensável para qualquer goleiro do mundo, não para Gilmar, que se lançou no ar num voo mágico e espalmou a bola para a linha de fundo evitando o gol, eu ouvi o som da sua mão batendo na bola, o barulho feito em seguida pela multidão e a emoção da jogada jamais esquecerei, nunca mais presenciei um goleiro fazer uma defesa com tanto reflexo, plástica e elegância como essa que o grande Gilmar fez naquela noite.

Foi a primeira vez que assisti a um jogo de futebol profissional na minha vida, enquanto viver esse dia jamais será esquecido.

Hoje passados mais de 50 anos eu sei que o grande ídolo da minha vida muito maior que o grande Gilmar foi meu pai, um homem que com seu exemplo de caráter, dignidade, honestidade e amor aos seus filhos, fez com que eu me tornasse o homem que sou, e passo aos meus filhos seus ensinamentos, e que tantas vezes nessa vida me ajudou, muito além de me proporcionar noites encantadas e maravilhosas como essa.

Um ídolo que enquanto vivo jamais deixou de torcer por mim, de acreditar sempre que eu seria capaz de superar todos os obstáculos difíceis da vida. Além de ídolo maior foi meu único grande herói.

Ah! pai quantas saudades hoje eu sinto do senhor.

Agradeço a Deus por ter vindo a essa vida como seu filho, e a vida maravilhosa que me proporcionou.

Eu sei que em breve estaremos juntos, muito próximos, assistindo outras partidas de futebol por esse imenso universo.

Sua benção meu pai.

Duda Menfer
Enviado por Duda Menfer em 14/08/2022
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