Meu Pai
Muitas lembranças suas ficaram
tatuadas em meu coração:
seu carinho, seu afeto. Seus afagos. Seus cuidados. A cana pra nós descascada.
De noite ou de madrugada.
O tacho fervendo a rapadura, no fogão à lenha feito com tijolos no quintal da casa
O leite esguichado diretamente das tetas da vaca para nossas bocas, nas primeiras horas do dia, tendo como companhia o sol imenso que no horizonte nascia.
O doce de leite cortado em pedacinhos,
horas no fogão da dona Chiquita,
ponto dado na xícara com água, infalível .
Seu café, doce, feito mel.
Suas rimas. Suas modas .
Suas belas estorinhas,
contadas nas noites de lua cheia,
depois de um dia de árduo trabalho na roça, com entusiasmo e forte emoção.
Os terços rezados todos os dias em família . Os bailes no terreirão,
a fogueira, os fogos de artifício nas festas de São João!
Seus ensinamentos, geraram caráter. Geraram honra. Geraram vida de muito trabalho e dedicação .
Era mês de julho. Ventos frios. Sol morno. Poucas nuvens no céu .
E o cafezal esgalhando , carregadinho de frutos multicoloridos.
A colheita seria farta!
Finalmente eu teria a correntinha de ouro e a blusa de banlon.
Isto se o governo não mudasse a política .
Lei da oferta e procura .
Supersafras de café, derrubavam o preço ao chão.
Até queimavam a produção !
Aí não havia outra alternativa : era renovar no banco o papagaio .
E começar nova plantação : arroz, ervilhas , milho, feijão !
Mas vc nunca desanimava.
Trabalhava a terra como ninguém.
Um gigante! Na enxada era campeão .
E também no violão . Seus dedos eram rápidos.
Extraíam das cordas de aço Canário, os acordes da emoção .
Sem nenhuma formação!
Sua caneta era a própria enxada.
Dizia com orgulho, aos amigos lá da roça .
À tarde, antes do café q dona Chica trazia, na cesta de vime, bulinho verde de ágata, com bolo de fubá, manteiga e pão,
já cansado, exausto , tirava a camisa pingando suor, e molhava o abençoado chão. A água da bica, fresquinha,
pura , como o seu coração,
lavava as suas mãos . E o preparava para prosseguir a labuta.
A vida não era fácil não. Os filhos ainda pequenos o ajudavam.
Não tinha empregados não.
As tarefas deviam ser executadas.
Sem preguiça nem reclamação.
Cada qual com suas fileiras de pés de café para arruação,
limpeza de troncos para receber a colheita dos grãos:
vermelhinhos , qual cerejas,
com cheiro doce, embriagavam nossos corações.
Ali , sob as saias dos pés de café ,
começava nossa formação: sem luta não há Vitória.
Sem Deus tudo é pura ilusão. Obrigada Véio Dega por ter sido um pai tão bom. Carinhoso, íntegro, alegre, artista nato, de fino trato e de forte emoção. A lição foi aprendida e é passada de geração a geração.
Benvinda Palma