NAS TRILHAS DA SAUDADE
Saindo da minha casa em Correntina, rumo à feira; eis que lembrei-me de um item a ser comprado; e falei em alto e bom som: CEBOLA ! E logo uma séria senhora ( que não era a Madame Min dos almanaques de Walt Disney) ia passando
e respondeu-me numa chuva de palavrões; chegando a espumar pelos cantos da boca, de tanta raiva. Mas, já estava à porta
da minha casa o meu amigo ULISSES, surdo e mudo, com um feixe de cana e um abacaxi às mãos, pronto para ofertar-me
num largo sorriso, apesar da banguela; desejando apenas tomar um café. Era eu um feliz garoto naquela minha grata infância; e entendia toda mimica feita pelo ULISSES. Hoje eu não entendo a linguagem em libras, mas sei que essa linguagem que a TV mostra, acaba sendo mais interessante que os discursos que são mostrados em paralelo. Ao fim dos xingamentos de uma CEBOLA e os agrados do ULISSES, JOANA, DOIDA para cantar e dançar, passou apressadamente pela rua, indo em direção ao rio, aonde NEZO já batia numa lata e dançava, deixando TÕE BESTA ! Mas RAIMUNDA,
RAPOSA velha, subia e descia ladeiras, varando cancelas, entrando e saindo nos cemitérios; enquanto discursava palavrões
de remexer caveiras; insatisfeita com tudo. Nem YEYÉ, simpático à juventude que dançava iê iê iê, entendia aquele avexamento na cidade. De vez em quando JUSTINA, mesmo CÉGA, acalmava a todos, cantando e esmolando. Sua voz de tão suave, parecia uma MÃO DE SEDA furtando o barulho das ruas. BERTO e BAZÚ bem sabiam como movimentar pela
feira, onde ainda ecoavam as cantigas de ZÉ CAETANO e MANEZIM; enquanto LARIS, com o nariz escorrendo nas gorduras do torresmo que comia, assuntava UMA a UMA as pessoas que passavam para ver JOÃO BALÃO num desconsolo sem fim. Esse ato deixava JÚLIO DOIDO, correndo pela cidade; erguendo casas sem portas e declamando versos às flores dos jardins. AURÉLIO, nu de qualquer maldade pedia à TIA, CAJU para matar o tempo recluso em sua casa. E de casa em casa, GREGÓRIO, DOIDO por um agrado, ia entrando e saindo.
DIÓ, MARIA É MINHA inspiração mas, não uma Maria qualquer e sim MARIA BALÃO com seus anéis coloridos, cobertor fétido de urina, seus balangandãs; suas tralhas, deslizando suavemente pelas ruas da cidade; ora cantarolando e
ora arribando a saia; era bonito de se ver ! Mas MUNDIM DE SULINA ganhava em odor, pois um bode era o seu fornecedor.
E naquela época já tínhamos o precursor do velhinho da Havan, no folclórico VITAL, PAIXÃO à toda prova pelo traje verde e amarelo, presente nas festas do Divino. Isso permitia que DOMINGO, CABAÇA em punho, cheia de água fresca; lá no Mercado Municipal, sujasse um pouco mais a sua roupa no sangue bovino. Se a morte não lhe apressasse, ele ainda viveria mais MILIANO; e BERNARDINA teria levado mais crianças ao Barrocão; enquanto SUARES bebia toda água dos balcões dos bares e das chuvas; sonhando num possante caminhão Mecedes Benz( nenhém, nenhém, nenhém ); quase atropelando o amigo CORNELINHO, que ia desviando do carro de bodes de MIGUELZINHO de seu Lolô; descendo à praça Felipe Santos
sob a rizada de SUSSUARANA. NÃ não posso esquecer, com seu vasto chapéu cofre preso à cabeça, estilo JOÃO ANDRADE; acumulando cédulas. Isso tudo era um espetáculo aos meus olhos infantis; ZEQUEIRA ou não queira, aquele ex vaqueiro, paraplégico pela chifrada de um boi sem coração; empunhando seu antigo ferrão, num sacrifício desigual; depois carregado num carrinho de bois, esmolava pelas ruas. Era quase um desfile de TEREZA SPANEF com as TRAVES-
SAS no cabelo, num movimento de TIRINFINCA, parecido como quando JIO, ALICE e CASSÚ pilavam arroz, sem botar ZIM,
PANQUINHA. Alegria maior não existia ao assistirmos toda esse pessoal sob o canto das COÃS quando viam LEOCÁDIA chegando com seus birros e começava a declamar seus belos versos tais como: " Tô aqui porque cheguei/ Demorei porque custei/ Não truxe dinheiro porque gastei/ Tô precisano de encomenda/ Mas mandaro eu pidiMia".
Essa gente toda, indo e vindo; entrando e saindo, num deleite para a garotada quase inocente, que ignorava o drama social vivido por todos eles; num cotidiano infeliz e que parecia nunca ter fim. Essa gente boa passou. A garotada cresceu e vai passando; mas ficou a lição para todos nós, daquele modus vivendi: somos todos iguais.
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Salvador-BA, 27-03-2022.
Alorof.