HOMENAGEM A MARADONA

" O mito é o nada, que é tudo".

Fernando Pessoa

Em 30 de outubro de 1960 nascia em Villa  Fiorito, uma favela nos arredores de Buenos Aires, Argentina, Diego Armando Maradona.

De infância miserável, dividia um só cômodo com oito familiares. Tinha tudo para ser apenas mais um ninguém, rapaz latino americano, sem lenço , sem  documento, nem  dinheiro no bolso.

Mas os deuses do futebol, caprichosos e imprevisíveis,  selariam- lhe um outro  destino,  totalmente diferente.  Tornaria-se  um dos maiores jogadores  de todos os tempos.

Na copa de 86, eu era apenas um menino  de 11 anos. Mas lembro como se fosse hoje. A histórica vitória de 2x1, nas quartas de final, em  cima da Inglaterra. Foi uma desforra, o soltar de um grito sufocado na garganta, uma gostosa e merecida vingança pela derrota sofrida na Guerra das Malvinas, quatro anos antes.

No primeiro gol, ele parte do meio campo, dribla o time inglês quase todo, e marca. Uma obra de arte, antológica, talvez o mais bonito da história das copas. No segundo, ele, baixinho,  sobe alto, ombreia  com o gigante goleiro inglês , e o vence, marcando de mão.

Mais tarde, ele diria que foi " la mano di dios".  Justo? Injusto? Que importa? Será que a vida é justa?  O juiz valida  o tento, e o baile segue...

Na final, a Argentina venceria a Alemanha por 3x2. Após derrotar a secular empáfia inglesa,  bate o nazismo alemão no último jogo. Que delícia! Um " cucaracho", genial e  atrevido,  deixava o mundo de joelhos.

Era canhoto. A temida perna esquerda " la surda", era o pesadelo constante dos adversários . Nunca se sabia o que poderia sair dali. Na vida, também foi sempre um esquerdo; um " gauche", anjo torto,  diferente,  desviado, rebelde, transgressor.

Refletiu, como poucos, a complexidade humana. Tudo nele era  intensidade, transbordamento, excesso, paixão e ambiguidade.

De temperamento extremista, combativo,  polêmico e controverso, encarnava todos os adjetivos, menos os de  morno e equilibrado.

Socialista convicto, jamais renegou sua origem social. Tinha personalidade forte, sempre falava o que pensava.  Não tinha medo de embates, tampouco  de represálias. Negou- se a ser um autômato, um boneco do sistema, como vários colegas seus tornaram-se.

Não deve ter sido fácil viver 60 anos na sua pele . Estava  sempre debaixo dos holofotes, sua vida era um palco diuturno. Quer ele gostasse ou não.  Ficou sozinho no topo do mundo, o sucesso e a glória cobraram- lhe um alto preço. Possivelmente demais para aquele menino pobre de Villa  Fiorito, sem grandes recursos emocionais.

Talvez por isso tenha  recorrido às drogas. Para ter uma sensação de onipotência,  tentar tamponar uma falta, uma angústia, um vazio. Sim, no peito do glorioso herói, habitava um ser que sentia- se desamparado,  solitário e incompreendido. Grande e frágil é o abismo que separa o mito do homem real.

Sua morte gerou profunda comoção mundial e em seu país de origem. Ele foi um ídolo tipicamente argentino.

De alegrias e tristezas, vitórias e derrotas. Ficará para sempre na memória e no coração de seu povo, que intuía- lhe o drama, perdoava- lhe as fraquezas e o amava, mesmo assim.

No imaginário de muitos, ele  foi como um deus na terra. Até uma igreja foi erguida com seu nome. Mas era mais como um deus grego, sempre permeado por um quê de tragédia. E dos  deuses, ele foi o mais humano. Por isso tão amado, tão marcante, tão  próximo de nós.

" Fecunda é a morte, que completa o homem, sempre inacabado enquanto caminha pelos sítios terrestres".

Augusto Frederico Schimdt

Boa viagem, hermano.  Descanse em paz.

Leonardo Alvim Corrêa

4/12/20