MEU VIZINHO FERREIRA GULLAR

Para Ferreira Gullar

Dizem

que é um cara muito importante

um escritor consagrado

e é mesmo.

Vejo-o

sempre na mídia.

Mas para mim,

sempre foi e será

somente um vizinho.

Observo-o

sempre na nossa rua.

Convivemos assim há muitos anos.

É como se tivéssemos estabelecido um pacto

telepaticamente: você não fala comigo,

eu não falo com você.

Nunca o vi com ninguém

anda sempre sozinho

numa reta.

Rápido como uma flecha em busca do alvo.

Jamais olha para os lados.

Seu lema deve ser:

para frente, sempre!

Cabeleira imensa, comprida,

embranquecida, bonita!

Que se alvoroça ao vento.

Confesso, já senti inveja daqueles cabelos.

Os meus, hoje tão escassos

eram assim outrora.

me lembram

um daqueles hippies dos anos 70 gritando:

Eu ainda existo! Eu ainda existo!

Certa vez, tentei

dizer-lhe um timido “oi”.

Não reparei se respondeu.

Mas se o fez,

deve ter sido rápido como um relâmpago.

Nem percebi.

É possível também, que tenha pensado:

“lá vem aquele chato que vive me observando”.

Sei da sua vida pelos jornais

e pelos demais meios de comunicação

mas seus trejeitos, seus cacoetes e suas manias,

observo pessoalmente.

Outro dia

eu o ouvi dizer,

que está casado de novo

após enviuvar.

Mas nesse novo casamento,

optaram por morar

em casas separadas.

Na certa querem preservar

suas individualidades.

Escritores são assim.

Eu mesmo,

que moro com mulher e filhos,

escrevo nos lugares mais insólitos.

Escrevo no banheiro,

na cozinha,

onde não tem ninguém.

Voltando ao meu vizinho,

certa vez eu o escutei dizer

que tinha um gato preto,

que morreu atropelado.

E estava muito triste

pois o considerava

um grande companheiro.

Ora! Convenhamos!

Um homem que fica melancólico assim,

por perder um gato preto,

certamente é um homem de bom coração.

Soube também,

que já recusou a Academia Brasileira de Letras,

mais de uma vez.

Por contestar a sua autenticidade.

No que lhe dou inteira razão.

Afinal o que fazem lá, certos políticos

sem nenhum gabarito?

Que não têm uma obra literária consagrada.

Num Brasil, onde todos

querem o poder a todo custo,

um homem que o recusa

deve ser mesmo especial.

E vivemos assim:

tão próximos

e ao mesmo tempo

tão distantes...

É possível que um dia

viremos amigos

ou não.

de qualquer forma

ele é meu vizinho

e quero a ele,

muito bem!

(11-2007)

Revisão: Vera Sarres

(verasarres.revisao@yahoo.com.br)

joão joão
Enviado por joão joão em 18/11/2007
Reeditado em 29/01/2008
Código do texto: T742047
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