Voltar aos meandros do passado...
evoca pensamentos lisonjeiros.
Ao cruzar o portão do Colégio São Manoel, quase sempre fechado para a população depois da saída do Seminário, as lembranças pulam, pululam.
Logo na entrada, a casa das Três Marias, mulheres piedosas, generosas, vidas dedicadas à reza e à lavanderia do Seminário. Chegam às memórias...o fogão à lenha, o bolão de fubá, as canequinhas com alças feitas com latinhas penduradas sobre o pano de prato bordado sobre a parede enfumaçada pela lenha e os estalidos do fogaréu.
Chegar à casa das Marias... o café torrado no tacho e moído quase na hora, era obrigatório. "Cafezinho para esquentar o coração.". Volta e meia...os seminaristas fugiam do Colégio para uma visitinha sub-reptícia junto à quentura do bule de ágate.
Maria Rita, Maria do Carmo, Maria Benedita... moças que doaram as suas vidas ao Amor ao próximo, à oração, à devoção, durante sessenta e setentas anos. Às cinco e meia , todos os dias, o padre celebrava a Missa na sala principal.... arquitetura de um colégio de freiras. Cada uma vivia no seu quarto, com ares de clausura, todos voltados para a grande sala. Bem ao meio, a grande mesa central tornou-se o altar onde ocorriam as celebrações. O santo terço era rezado às dezoito horas e às quinze horas, a oração da Padroeira, Bênção de Nossa Senhora Aparecida, era acompanhada pela Rádio Aparecida.
Marias não quiseram ingressar no mundo da modernidade, não conheceram fogão a gás, televisão, máquina de lavar roupas, nem mesmo...panela de pressão, mas transformavam o simples em manjar celeste.
A casa...cercada pelas grandes mangueiras, muitas flores distribuidas pela delicadeza da Natureza. Begôneas, beijinhos coloridos, reinavam o ano inteiro, adornando as sombras fagueiras e acolhedoras.
Passando pelas árvores, ao fundo, o Senhor Angelim, homem com a boca cheia de ouro, irmão salesiano, cuidava da belíssima horta que abastecia o refeitório do Colégio com as águas descidas das Cascatas da Betânea.
Domingo passado... o encontro dos ex-alunos salesianos trouxe o brilho e o encantamento da simplicidade dos tempos quando Lavrinhas era acolhida e orientada pelos olhares cheios de significados. A Missa foi rezada sob a liturgia da Congregação. Cantos ecoaram no entusiamo de quem viveu a sublime alegria da Educação de Dom Bosco..."Auxiliadora, Virgem formosa..." "Como posso ser feliz/ se ao pobre meu irmão..." Os pássaros acompanhavam a sinfonia em meio à mata verdejante que circunda o Colégio.
Saudades?...Ah!...vida cheia de espritualidade, primeira Eucaristia, Crisma, casamento, batizados dos meus filhos.
Marias protagonizaram pari e passu todos os momentos das nossas vidas.
Antônio, o meu primogênito, certo dia se expressou...
"... se a minha infância tivesse uma cara, não teria uma, teria três." (Três Marias)
A linha do tempo desenhou-se no meu pensamento repleto de nostalgias, saudades e emoções fulgurantes.
Sentimentos...
gratidão!
Foto by Zaciss