Breves palavras sobre Clarice Lispector e "A descoberta do mundo"
Publicado na página @artereflexo, no Instagram:
Uma vez me perguntaram por qual livro começar a ler Clarice Lispector. "A descoberta do mundo" foi a minha resposta, e o motivo: porque é um livro de crônicas, ou seja, é Clarice por Clarice – são suas palavras diretamente, sem o intermédio de um personagem ou narrador fictício. Em contos ou romances a escritora se mantém atrás das cortinas, mas ao expressar-se com sua própria assinatura, sobe ao palco e inevitavelmente se revela de forma mais pessoal, próxima e íntima, por mais que tente se manter reservada como sempre.
O livro reúne sua produção literária publicada numa coluna semanal do Jornal do Brasil, entre 1967 e 1973. Nesses textos, vemos um pouco de tudo sob seu olhar: cotidiano, família, amigos, arte, reflexões, as atualidades da época, além de responder cartas de leitores e formar um diálogo geral com o público, conversando sobre a sociedade e seus aspectos tanto trágicos quanto cômicos – sim, pitadas de um humor refinado e sagaz, meio involuntário, também compõem essa enigmática escritora, além de críticas sociais e a melancolia existencial que também é sua marca. "Estou cansada de tanta gente me achar simpática. Quero os que me acham antipática porque com esses eu tenho afinidade: tenho profunda antipatia por mim", diz ela em certo momento.
"A descoberta do mundo" talvez explique seu título como sendo justamente a visão de alguém buscando decodificar essa coisa do lado de fora de nós, que chamamos de mundo, e descobrindo algo a cada parada, às vezes se aprofundando em pensamentos, às vezes na simples observação de detalhes do dia-a-dia. Em resumo, essa leitura proporciona um privilégio único: conversar diretamente com Clarice Lispector, para além da escritora.