Pai

Debulhei as palavras sílaba á sílaba, de forma quase trôpega as fui dizendo.

As letras foram despencando não de forma silenciosa, soaram a sinos de capelas.

Me lembrei do jogo de rimas com o meu pai em que temos que inventar uma história de frases rimadas ou palavras soltas, o jogo termina quando não conseguimos mais dizer as palavras. Essas lembranças me deram saudade e me deram sorrisos. O ritmo do violão, a altura das notas.

- Ouça a música, ouça o tom. Não é o violão que vai se adequar a sua voz, você precisa ouvir.

Meu pai me dizia uma e outra vez, quando criança em que eu fiz o mais temido pelo meu pai, depois de ouvi-lo durante quatro horas em uma viagem e uma vida que não poderia desafinar, ao pegar o microfone eu comecei a cantar fora da nota que ele estava tocando, meu pai que segurava a guitarra deixou de tocar, ele disse no microfone, vamos começar de novo. E recomeçamos, mais de uma vez. Naquele momento senti tristeza, humilhação, saí correndo depois de haver conseguido alcançar a nota, lembro-me das crianças dos bancos da frente rindo sem qualquer resquício de piedade. Hoje ao relembrar essa e outras miles de histórias eu percebo que eu estava aprendendo a ouvir as notas, a respeitá-las ao invés de ditar o tom que me parecia correto, que cada pedacinho delas se junta para tentar formar uma melodia e que será única pra cada um.

-Menina! Não é simplesmente sim ou não, às vezes a incerteza é melhor, faz aparecer outros caminhos.

Saudades de debulhar histórias e momentos com o meu velho.