LUCIANA DAS DORES E SEUS BICHOS DE ESTIMAÇÃO
Prólogo
Esta é uma história ficcional, mas baseada em fatos reais, surreais e anacrônicos, isto é, que se opõem ao que é cronológico, à ordem natural dos acontecimentos; que não se adapta aos usos ou aos hábitos de uma época; obsoleto. Qualquer semelhança com pessoas ou acontecimentos passados ou atuais terá sido mera coincidência.
Dona Luciana poderia, sem pejo do ridículo, se chamar: Anazilda, Belizária, Clotilde ou mesmo Damiana, mas o nome da personagem principal foi preservado e trocado para Luciana das Dores em homenagem aos seus sofridos dissabores, por livre opção, e absoluto respeito à ética e à privacidade de quem honra a honra até mesmo de uma família totalmente desestruturada.
Pasmem os diletos leitores! Por mais incompatível que sejam os bizarros hábitos da personagem central, da teratologia (padrões do desenvolvimento anormal) com os bons usos e costumes sociais, este texto é uma sincera homenagem para quem gosta e ama, igual a mim, pessoas simples, todos os idosos, mulheres, crianças e animais.
AS CARACTERÍSTICAS DA SENHORA DAS DORES.
Luciana das Dores é uma gentil e linda senhora que, aos 58 anos de idade, aparenta no máximo 35 ou 38 anos de experiente vida. Estressada, ansiosa, eternamente expectante e hipossuficiente econômica, mas extremamente feminina, ela só usa saia e blusa ou vestido bastante colorido e diz que calça comprida é indumentária masculina.
Aprecia essa feminil, chamativa e iluminada senhora, com seus cabelos louros naturais e esvoaçantes, abraços, beijos e bolinações outras que as meninas com um terço de sua idade sequer sabem a utilidade para a manutenção da feminilidade, em ebulição enaltecida, pelo cheiro dos feromônios que emergem das dobras da pele aveludada e macia.
Essa perfumosa, cortês, linda e notável mãe e já avó de três lindos netos, de tez branca, olhos esverdeados... É uma excelente afável pessoa e serviçal por excelência ou índole genética. Às vezes, durante as madrugadas chuvosas, D. Luciana chora e se lamenta perguntando a si mesma em que momento errou para sofrer tanto diante do abandono de todos: vizinhos, conhecidas, e inclusive dos familiares desequilibrados, lesos e bisonhos.
OS INCOMPREENDIDOS HÁBITOS DE DONA LUCIANA.
A senhora Luciana tem um hábito estranho, assim entendo. Ela cria, junto com outros bichos, um jacaré solto dentro da humilde casa onde mora por benevolência do proprietário do vetusto imóvel. Quando o bicho – jacaré fêmea – está estressado tenta morder a própria dona, mas a vovó simpática e amorosa sempre dá um jeito de acalmar a fera desequilibrada pela falta de costume no convívio com humanos.
Quando não consegue apaziguar os ânimos com o feroz animal D. Das Dores ameaça chamar o pessoal do IBAMA para tranquilizar o animal raivoso. O bicho provavelmente compreende a sua dona, pois se aquieta e fecha as mandíbulas ameaçadoras.
Talvez seja por esse motivo, com um animal tão perigoso solto e querendo morder as visitas, que ninguém se atreve a fazer um agrado a D. Das Dores para lhe levar presentes, cestas básicas e até lhe dar um merecido e afetuoso abraço.
UMA AMIZADE ESPECIAL.
Dona Das Dores tem um amigo especial chamado Zé Preto. Não por acaso Seu Zé Preto, que é proprietário de outros imóveis, permite até quando Dona Luciana não mais quiser morar, sem pagar aluguel, nem o IPTU, na casa muito desgastada e necessitando de urgentes reparos no telhado, instalações hidráulicas, elétricas e nas fechaduras das portas já em adiantado estado de putrefação pela umidade persistente.
Infelizmente nem mesmo Seu Zé pode visitar a amiga simpática, gentil e amorosa. Ele gostaria muito de levar um bolo, um pedaço generoso de queijo de coalho ou de manteiga; talvez pastéis, uma torta de chocolate, uma cesta básica com mantimentos de primeira necessidade, ou um frango assado, quem sabe uma refeição decente e completa de vez em quando.
AS VISITAS SE AFASTAM. TODOS TÊM MEDO.
Claro que nessa possível visita Seu Zé Preto levaria rações para os animais de cada espécie e também uma boa quantidade de carne fresca para Dona Luciana e o jacaré fêmea de estimação, mas com o bicho solto e enfezado fica impossível tal proeza.
Jacarés são carnívoros vorazes, e gostam de tudo que veem pela frente, como peixes, mariscos, mamíferos, répteis e outros; eles não costumam perder tempo mastigando, engolem tudo de uma vez. Jacarés são sonsos, infiéis, imprevisíveis e não confiáveis.
Sua forma de atacar a presa também é bastante peculiar: ao contrário da cobra, eles atacam e mordem pelas laterais. Podemos concluir que, pessoas que criam animais selvagens em suas residências... Não querem ser visitadas ou não se respeitam, têm baixa autoestima, não têm amor à própria vida.
A senhora Das Dores gosta de visitas, mas é teimosa e gosta de criar animais domésticos e selvagens. Sabe-se que ela já criou com muito carinho e cuidados especiais: galos, tartarugas e papagaios; gatos, cachorros e, atualmente cria um Jacaré fêmea selvagem de extrema periculosidade. Detalhe: Todos os animais têm e atendem por um nome próprio!
Jacarés são animais predadores e alimentam-se de diversas espécies de animais, desde pequenos moluscos até grandes ungulados, no entanto, é importante destacar que raramente atacam os seres humanos. Esses animais também costumam atacar animais fracos e doentes e que não conseguiriam escapar facilmente de seu ataque.
CONCLUSÃO
D. Das Dores é uma senhora frágil, com uma doença congênita pulmonar que a torna uma presa fácil de ser atacada, mordida e até morta e comida pelo jacaré fêmea. As fêmeas dessa espécie são inconstantes em seus humores, assemelham-se aos humanos bipolares, principalmente se já habitam em uma moradia úmida e semelhante a um fétido pântano como é o caso da moradia de D. Das Dores.
Seu Zé Preto já quis ajeitar, fazer uma excelente reforma na casa onde reside D. Das Dores, mas ela disse que só sai da casa para a reforma completa se seus bichinhos de estimação forem juntos. Ela propôs que Seu Zé faça uma minirreforma com ela e seus bichinhos dentro do casebre.
Entretanto, os trabalhadores tremem só em pensar nos dentes e unhas afiadas do jacaré à solta e esparramado no quintal eternamente molhado e insalubre para humanos. Eles não querem se arriscar num ambiente perigoso onde impera e quem manda é um animal pocessivo, ciumento e raivoso.
Da casa, Dona Das Dores não gosta do telhado, das paredes úmidas, das pias, do quintal e até das portas de madeiras podres e rangedoras; não gosta da vizinhança curiosa, fofoqueira e observadora; do banheiro com o vaso sanitário quase sempre entupido, do piso e das instalações elétricas e hidráulicas.
Dona Luciana não dorme sossegada com a correria das ratazanas pelo telhado, mas os animais de estimação, principalmente o Jacaré fêmea, adoram o desconforto da umidade, como se fossem suas camas, na lama fria, fétida, eternas, escuras e/ou pouco iluminas.
Enfim, há gostos e desgostos para todos os gostos. O pai de Seu Zé Preto, que o bondoso Deus o tenha, dizia com muita propriedade e sabedoria: "As pessoas, iguais aos bichos domésticos ou selvagens, se acostumam até com o que é ruim".