Lembranças de um brilhante
Em maio de 1999, a universidade, o Cebrap, as ciências sociais, a sociologia do trabalho e a UFMG perderam um dos mais brilhantes intelectuais produzidos por este país. Faleceu Vinícius Caldeira Brant, uma das lideranças mais importantes que o Brasil já teve na década de 60.
Guerreiro e compromissado com o Brasil, ingressou cedo na luta política. O professor Vinícius foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) antes do golpe que iniciou o regime militar. Mas não deixou de ser liderança e perseguido. Falava que havia apanhado muito, fugido por demais e que acreditava em um país melhor onde não houvesse tanta má distribuição de renda, desigualdade social e ataque à democracia.
Vinícius era filho de uma tradicional família mineira, formou-se na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG em 1963. Integrou, exerceu e formou lideranças no famoso grupo político de orientação cristã, a Ação Popular, ao qual pertenceram também, Aldo Arantes, ex-deputado federal pelo PCdoB, e José Serra, hoje ministro da Saúde, dois outros ex-presidentes da UNE.
Nos tempos gloriosos do movimento estudantil liderou milhões de estudantes, dialogou com a imprensa, com poderosos e com o presidente. Mas no final da década já havia perdido sua liberdade. Exilado na França em 1964, trabalhou com o sociólogo Alain Touraine num projeto sobre os problemas sociais gerados pelo impacto da industrialização na América Latina. De volta ao país passou atuar na clandestinidade. Preso em 1970, foi condenado injustamente a cumprir 17 anos de prisão. Porém, seus amigos, “anjos”, mortos durante o regime de exceção, conspiraram a seu favor e através de duros e vários recursos Vinícius foi absolvido na maioria dos processos. A mobilização de seus amigos próximos ao Senhor, entretanto, não fora o bastante para absolvê-lo da luta a favor da democracia no país. Os militares foram mais fortes e prenderam Vinícius durante três anos com base na Lei de Segurança Nacional.
De volta à liberdade em 1973, foi convidado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso a ingressar no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) onde foi responsável por importantes pesquisas relacionadas à questão social. Dizia que não gostava de publicar sozinho. Seu estilo de trabalho acadêmico era coletivo conforme sua proposta de vida e projeto para o Brasil. Foi neste sentido que publicou obras como “São Paulo 1975 - Crescimento e pobreza", coordenado por ele; “Inventário de investigaciones sociales relevantes para políticas de población', de 76; “São Paulo: o povo em movimento”, de 1983; “O Trabalhador preso no Estado de São Paulo (passado, presente e expectativas)”, de 86; e “São Paulo, Trabalhar e Viver” de 1988.
Vinícius não foi um sociólogo de gabinete. Em 1980, atuou incansavelmente na fundação do Partido dos Trabalhadores. Gostava de afirmar que em sua sala estava guardada a mesa onde foi assinado a fundação do partido: “Depois do Lula, o próximo nome é o meu”, dizia orgulhoso.
Professor titular de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Vinícius nos últimos tempos estava se dedicando à sociologia do trabalho. Publicou em 1994, pela Editora Forense, o livro “O Trabalho encarcerado”, resultado de uma pesquisa sobre a exploração do trabalho dos presos no Estado de São Paulo, a qual serviu de tese para sua admissão na UFMG, em 1991.
Tive o privilégio de ser seu orientando em 1998, e estávamos dividindo algumas aulas no que seria o seu último curso na UFMG. Magro, alto, elegante, mas um tanto desengonçado no andar, lá vinha ele pelos corredores da Fafich. Homem de poucas, mas acertadas palavras, dizia que gostava de seus alunos, por isso não pensava em abandonar as salas de aula. Erudito, com palavras finas e bem colocadas, discorria sobre qualquer assunto, principalmente, e este era o seu preferido, aqueles relacionadas à produção da pobreza social, a configuração de movimentos sociais e relações de trabalho. Não misturava suas aulas com “juízos de valor”. Homem firme em honestas convicções, chamava atenção daqueles que confundiam “discurso político” com assunto de “ciência”.
Fora do mundo da universidade, Vinícius era também um espetáculo de bondade, mansidão, carinho e honestidade nas amizades. Homem com força de caráter sem igual, dissecava os problemas de governo ou daqueles que amam o poder como quem queria auxiliar, demonstrar a verdade, indicar o caminho e os limites ou chamar atenção para os excessos. Humilde e atencioso escutava com prazer as opiniões alheias, mas detestava bajuladores: dizia que estes não eram confiáveis e o cuidado ainda era pouco na convivência com estas pessoas.
Mas o Professor não fazia distinção entre os seres humanos. Não era preciso ser homem ou mulher, negro ou branco, pobre ou rico: Vinícius gostava de todos e os tratava como igual. Afirmava que lidava antes de tudo com pessoas e que éramos ninguém neste mundo de desiguais.
Do Cebrap à UFMG, passando pela fundação do Partido dos Trabalhadores, muitos foram aqueles que aprenderam, admiraram e amaram Vinícius Caldeira Brant. Intelectual eclético, sociólogo cuidadoso com os conceitos, homem de caráter, Vinícius foi antes de tudo, uma pessoa brilhante, um exemplo de lealdade, generosidade e honestidade aos amigos e ao país. Todos estamos sentindo muitas saudades. Mas o conforto é saber que Deus está bem acompanhado e uma nova liderança o auxilia a cuidar do Brasil.
Lúcio Alves de Barros: bacharel e licenciado em ciências Sociais pela UFJF, mestre em sociologia e doutor em ciências humanas: sociologia e política pela UFMG. O presente artigo está publicado no meu livro “Fordismo:origens e metamorfoses”. São Paulo / Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2005.