HISTORIA DE UMA DESCISÃO E O TORCEDOR REVOLTADO

Confesso que desde que comecei a gostar de futebol, como todo brasileiro, não me recordo de ter visto seu Valdemar assistir duas partidas transmitidas pela televisão, sendo assim, tentarei descrever a única que presenciei. Como seria impossível recordar detalhes deste jogo, procurei usar os recursos disponível nestes tempos modernos, onde consegui rever em um vídeo de mais ou menos 35 minutos na internet, todos os melhores lances do jogo.

O ano era 1976, eu tinha dez anos de idade. Final do campeonato brasileiro onde Corinthians jogaria em casa e enfrentaria o grande time do internacional. Nesta época Roraima ainda era um dos três territórios do Brasil que somente em 1988 passaria a estado; nossa cidade é Boa vista que sempre fora a capital, por aqui tudo era muito pequeno, só havia seis bairros e um único canal de televisão que tinha sua programação transmitidas através de vídeo tape que era gravado em outro estado e enviado por transporte aéreo, não sei se Varig ou Cruzeiro; além desta programação ser exibida com atraso ainda havia a possibilidade de ter que ser repetida a programação do dia anterior devido ao atraso ou cancelamento do voo, nada era via satélite ou direto como diziam na época. No caso de decisão as partidas de futebol poderiam ser transmitidas com a compra do sinal de satélite, o que exigiria dos principais empresários uma cooperação através de cotas, para que se pudesse adquirir os direitos de transmissão.

Recordo que em alguns intervalos durante a transmissão o áudio do narrador do jogo era interrompido para que um locutor da emissora local pudesse passar o nome de todos os patrocinadores que participaram da cota do sinal. Geralmente isso ocorria quando o jogo estava pegando fogo, o que nos deixava possessos. Sendo assim, e se não estou enganado, se não esqueci nomes ou se não inclui nomes de empresas que não contribuíam, esclareço que a maioria destas já não mais existe, e o locutor então assim anunciava:

- Esta transmissão é um patrocínio de: Eletromóveis, Minhocão, Casa Monte Santo, Rimpex, Luxoflex, Casas Lira, Loja do Papai, Casa dos Pneus, Casa Cruzeiro e outras que me fogem a memória.

Voltando ao jogo. Seu Valdemar estava muito tenso, do primeiro minuto de jogo até o final do primeiro tempo, seu time o Corinthians jogava bem e tinha mais posse de bola, mas os jogadores quando não chutavam para fora o goleiro manga do interacional defendia, o que deixava meu pai mais irritado. Infelizmente o primeiro gol saiu no final do primeiro tempo, e não foi do Corinthians, mas não chegou a abalar seu Valdemar, pois acreditava na virada no segundo tempo.

Um momento hilário que se deu ainda no primeiro tempo e que pude capitar no vídeo, vem do Locutor, que depois de narrar diversas vezes o desarme das jogadas do Corinthians pelo volante do internacional no meio de campo, ou muitas vezes depois da bola bater em seu corpo interrompendo um lance que poderia vir a ser uma jogada de gol, assim descreve o jogador em sua narração:

-“... Caçapava roubou ... É impressionante Caçapava, tem quarenta de lado, quinze de frente e um e noventa e cinco de altura. ”

Todas aquelas medidas exageradas já seriam surreais, uma vez que o jogador tinha um metro e setenta e cinco de altura, mas a descrição pode melhorar, e como na transmissão de uma partida de futebol também existe a figura do comentarista, eis que este entra em sena e diz:

-“ Ele não tem certidão de nascimento, tem escritura. ”

Vamos para o segundo tempo, cheio de confusão, os diretores do Corinthians querendo abandonar o jogo depois da metade do segundo tempo, e aquele segundo tempo que deveria ter quarenta e cinco minutos, durou uma hora e seis minutos até o apito final.

No começo do segundo tempo em uma cobrança de falta o internacional dá o tiro de misericórdia depois que a pelota bateu no travessão e entrou mais ou menos uns vinte centímetros, e por ter sido uma jogada rápida só ficou visível na repetição do gol pela televisão, como no campo não existe replay, a confusão estava formada. Foi bem aí que vi a garrafa térmica de café de seu Valdemar passar na velocidade da luz em minha frente e se espatifar no chão, olhei para ele e percebi que estava uma pilha, foi aí que pensei; - Ainda bem que não jogou na TV. Daí para frente só deu Corinthians, bola na trave em uma falta, gols perdidos e defesas espetaculares do goleiro do internacional que deixava meu pai cada vez mais irritado, mas foi exatamente em outra bola na trave que olhei para ele, ele mim encarou e olhou para a xicara que ainda estava na mesa e disse:

- Se não tirarem esta xicara daqui, e o Corinthians errar outro gol ou esse goleiro pegar, eu quebro ela também.

Sempre que estou assistindo um jogo e ele passa por mim, não perde a oportunidade de dizer:

- Eu não sei quem é mais besta, esse monte de homem correndo atrás de uma bola, ou quem tá assistindo.