O Tamboril de Campos Belos
Por Nemilson Vieira de Morais (*)
Com saudosismo relembro-me do tamboril de Campos Belos… O que fincou raízes na terra fofa do chão, em frente ao primeiro posto de saúde.
Dava um conforto aos pacientes que iam buscar tratamento para os males do corpo, num tempo em que os recursos eram escassos.
Oferecia oxigênio, beleza paisagística e refrigério nos dias de calor; com a sua sombra amiga. Deixava o ambiente com um microclima mais agradável, num período antes ao ar-condicionado chegar à cidade.
O conheci ainda na minha adolescência. Estudei no antigo Grupo Escolar Professora Ricarda — ao lado dessa árvore.
Educandário que posteriormente, fora demolido e cedeu lugar a outro prédio escolar mais moderno, agora, Colégio Estadual Professora Ricarda.
As novas edificações podem até ser mais bonitas, mas as antigas são a prova de como tudo começou.
Se pudéssemos aliar o moderno ao antigo, preservar as duas coisas o presente seria melhor; o futuro, mais rico de história.
Quanto à relação dos moradores, com esse tamboril, era harmónica e bela; como uma extensão do corpo.
Parece que havia um olhar diferenciado dos primeiros Gestores Municipais, voltados para a importância da arborização.
Na Rua do Comércio havia mais árvores ao longo da sua extensão. Sinto em não vê-las nos seus lugares de origem.
Os elementos arbóreos são essenciais nos espaços urbanos.
Pois, bem!
O tamboril em questão estava sempre presente ao nosso olhar numa intensa relação de amor!
Quem o contemplava enchia-se de admiração e orgulho da sua exuberância.
Os pássaros, sobre ele, festejavam os seus momentos alegres; em família, ou sozinhos.
Os seus saborosos frutos (para algumas espécies animais) têm a aparência duma orelha humana; lembram ainda um desenho representativo dum coração. Uma vez maduros, em setembro caem e forram o chão. Espalham um cheiro agradável no ambiente à sua volta. Depois das primeiras chuvas, os animais fogem deles, dos frutos. — Por sofrerem alterações químicas pelo contacto com a água.
Acho até que o tamboril da minha terra compunha o conjunto histórico da cidade.
Fora um encanto que marcou gerações; a tínhamos como um símbolo de resistência e de grandeza. Uma relíquia florestal que o Gestor Executivo não se preocupou em conservá-lo. Conforme alguns relatos dos moradores locais, fora o próprio que o suprimiu.
Se verdade faço-as minhas, as palavras do saudoso Noel Rosa, eternizadas na letra duma canção:
“No tribunal da minha consciência esse crime não tem apelação”.
Sem um motivo justificável, técnico, para a supressão da mesma, tornou-se um delito a ação de remove-lo. Deu-me a entender que tal decisão tenha atendido apenas a um desejo individual; o do coletivo era de mantê-lo vivo, em paz no seu lugar. Portanto esse recurso natural, naquele contexto, estava inserido na categoria dum “bem comum”.
Compunha a cobertura vegetal do lugar por uns cem anos… O último dos remanescentes, a resistir às intempéries do tempo.
Há estudos que apontam no sentido de que, às árvores também têm sentimentos… Olhem abaixo a preciosidade que o Victor Hugo nos deixou:
“É triste pensar que a natureza fala e que o género humano não a ouve.”
Tombado o nosso tamboril centenário, virou subproduto valioso; para a alegria e o deleite de alguns.
Fica aqui os ditosos dizeres do Picasso para a nossa reflexão:
“No dia que o homem compreender ser filho da natureza, irmãos dos bichos, da terra, dos pássaros do céu e dos peixes do mar, neste dia ele compreenderá a própria insignificância. Será mais humano, mais simples e solidário.” As Palavras de Lima Barreto em “Crônicas Escolhidas” também merecem ser rememoradas:
“Os ricos se afastam do encanto […] Perderam a individualidade da escolha; não associam a natureza às suas emoções nem esta, provoca-lhes meditações.”
Mesmo separados fisicamente, dessa árvore encantadora, o tamboril de Campos Belos, eternizou-se neste singelo texto, na memória, no coração daqueles que souberam respeitá-la e amá-la à vida inteira!
Somos gratos ao Criador por aquela dádiva vegetal que durante tanto tempo alindou as nossas vidas, nesta cidade linda de viver.
*Nemilson Vieira de Morais
Gestor Ambiental, Académico Literário.
Ribeirão das Neves (MG).
(21:09:17).
A versão original deste texto fora publicado no Jornal O Vetor em, 21 de setembro de 2017.