Alegrando os Anjos

Em memoria ao meu primo Marco Antônio, o Bonitão.

01/11/2020

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Tive um primo que contraiu paralisia infantil na infância. Lembrei-me dele, ao ver outro dia, uma senhora saindo de uma clinica fisioterápica de muletas e pernas sem movimentos, soltas e flácidas, arrastadas. Triste visão e lembrança.

Seu nome era Marco Antônio, mas o seu pai o chamava de Bonitão. Moravam em cidade no interior de São Paulo, em uma casa espaçosa com um grande quintal nos fundos em terra batida, com mangueiras, pés de laranja, galinhas e cachorros. Ia lá, às vezes, passar uns dias com ele. Tínhamos dez anos, não mais. Era filho de uma das irmãs, mais velha, de meu pai - tia Ida, pessoa também alegre e querida.

Era muito vivo, esperto e com muita energia. Tinha a voz grossa e forte como a do seu pai, de apelido "Zecão", meu tio: alto, de corpanzil grande, gordo e careca, olhos esbugalhados, com a risada sonora e potente. Bonitão também sorria dessa forma inconfundível e inesquecível.

Fizera inúmeras operações, mas que não conseguiram resolver ou amenizar a sua deficiência, infelizmente. Tinha que usar talas metálicas presas nas duas pernas, desde os calcanhares ao alto das coxas, fixas, arrastando-as ao caminhar com as muletas. Era muito forte, de ombros largos e braços musculosos. Um menino bonito e simpático era Bonitão mesmo. Essa visão dava-me pena, mas que não gostava que sentissem dele. Nunca o vi reclamar, ou ter auto piedade.

Não se amedrontava com nada: jogávamos futebol no terreno do quintal da sua casa, ele corria com as muletas desenfreadamente, impetuoso. Trepava em arvores baixas, somente com os braços! Admirava-me a sua alegria e determinação. Levava a vida como lhe apresentava, sem queixas ou lamurias.

Dormíamos no mesmo quarto do casarão antigo, ele retirava as talas e se deitava na cama. Sem elas, não conseguia andar. Então, caso precisasse ir ao banheiro, se arrastava pelo chão da casa. Uma cena forte que presenciei, mas que para ele era normal, corriqueira - era assim e ponto!

Nossas vidas seguiram e não nos vimos mais. Soube que se formara em farmácia, montando uma na mesma cidade.

Tempos depois, que morrera moço, na faixa dos cinquenta anos, de câncer no estomago. Sofrera bastante com a doença, mas que enfrentou bravamente como era a sua personalidade. Uma pena! Não merecia esse final, que considerei uma injustiça divina por tudo que passou ao longo da sua existência. Se há céu, definitivamente está lá com a sua alegria e tenacidade contagiantes.

Fora uma pessoa maravilhosa pelo pouco que convivi. De inquebrantável vontade de viver, a sua deficiência era somente física, pois mentalmente era muito forte! Um grande exemplo que me deixou.

A lembrança da sua alegria e do riso forte e grosso, gostoso ficou gravada para sempre na minha memória. Inesquecível.

Era ele Bonitão em todos os sentidos. Deve estar alegrando os anjos no céu.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 03/11/2020
Reeditado em 30/01/2021
Código do texto: T7103163
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