DEPOIMENTO DE MAURÍCIO MARZULLO
DEPOIMENTO DE MAURÍCIO MARZULLO
SOBRE NESTOR TANGERINI
Recebi do meu sobrinho, professor Nelson Marzullo Tangerini, um pedido, digo, uma “ordem”, pois, para mim, o pedido dele, como já frisei, é mais do que isso, é uma intimação!
Esse pedido deve-se, talvez, ao foto de eu haver-lhe conhecido o pai muitos anos antes de o “peticionário” aludido ter nascido.
Lá pelos idos de 1923/24, fui levado, com minha mãe presente, pelas mãos da atriz Esther Danniotti Bell, mais conhecida nos meios teatrais como Estellita Bell, a internar-me no Colégio Emulação, na época à Rua Haddock Lobo, no. 419, Tijuca, Rio de Janeiro, no qual terminaria o primário, e lá continuaria preparando-me para submeter-me ao exame de admissão ao ginasial, conforme se procedia antigamente.
Pois bem, feito este introito, passeamos ao segundo patamar da história, que é a mudança do Emulação, acima referido, para a Rua Conde de Bonfim, no. 41, logo depois do Largo da Segunda-feira, onde iria ocorrer meu primeiro conhecimento com o nome do ilustre Nestor Tangerini, beirando eu, aí, já pelos onze dou doze anos, por meio de um soneto de sua autoria, engraçadíssimo, que andava de mão em mão, entre nós, meninos e meninas, do qual jamais me esqueceria – “Cenas do Rio” – e que o próprio Nelson Tangerini poderá recitá-lo para a seleta plateia, que, certamente, não lhe faltarão os merecidos aplausos, acredito.
Mais tarde, decorridos dez ou doze anos, mais ou menos, ouvi, por uma rádio da época, a lida valsa “Dona Felicidade”, da lavra Nestor Tangerini [musica de Benedito Lacerda, grande flautista e consagrado musicista], na qual o poeta falava de uma “deusa” que morava numa colina. Nós, nessa ocasião, residíamos à Rua Colina, no Estácio, conosco morando nosso avô, já idoso, fazendo-nos supor que o “velho, o desengano”, ventilado pelo poeta Nestor Tangerini, na supracitada valsa, se destinava ao meu avô, Manuel Gomes Soares; “deusa”, à minha querida e extremada irmã Dinah”, e “colina”, a rua em que morávamos... “Chi lo sá”?
Adorava a mencionada valsa, na realidade, muito bonita!
Não sei, não! Talvez, coisas do destino. Mas certo é que o Tangerini, como o chamávamos intimamente, acabou conhecendo a Dinah, minha irmã, como já falei, que, à época do encontro trabalhava num teatro, perto da Praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, juntamente com Dinorah, nossa irmã caçula – Que gracinha! -, que, mais tarde, veio a desposar o brilhante ator Manuel Pêra, de cujo enlace matrimonial nasceram as fulgurantes atrizes Marília Pêra e Sandra Cristina Marzullo Pêra, estrelas sem jaça nos nossos palcos e televisões, sem dúvida, honrando os gloriosos nomes de nossa mãe, Antônia Marzullo, e meu cunhado, Manuel Pêra, e minha irmã, Dinorah.
Olhem como a vida é... Como o mundo dá voltas!...
Depois de tudo isto aqui relatado neste “depoimento”, eu e o Tangerini tornamo-nos amigos, dado o fato de gostarmos de literatura - e poesia, especificamente.
Assim, pude aprimorar-me um pouco mais em português, paixão que comigo aflorava com os conhecimentos recebidos de Dona Laura Jopper de Mello, professora jubilada que nos dava aulas lá no longínquo Emulação, passando, então, já aí, a receber do Tangerini magistrais ensinamentos de literatura, inclusive metrificação de versos e respectivas rimas.
Tendo ele fundado e organizado a revista “O Espeto”, de puro e salutar humorismo, com o Prof. Zé Bacurau, passei a colaborar com alguns sonetos meus e crônicas diversas, revista essa de grande receptividade.
Tangerini foi um grande sonetista, tanto no sentido clássico como no humorístico. Só lendo-o, para apreciá-lo, entendê-lo e, por fim, aplaudi-lo, porque bem o merece.
Como o faço agora, com um sonoro “Parabéns pra você, Tangerini, onde quer que você se encontre. Parabéns também ao seu dileto caçula, meu estimado sobrinho, que, com grande júbilo, vem seguindo à risca o elevado dom herdado de você, Tangerini, - o de transmitir a outrem os ensinamentos hauridos nas salas de aula e praticados no recesso do lar, no aconchego da família”.
Ah! Ia-me esquecendo! Oh, cabeça! Todavia, ainda me lembrei em tempo. Trata-se do outro lado artístico do Tangerini: a paixão pelo teatro, para o qual colaborou com várias peças teatrais, para empresários diversos, como, por exemplo, Jardel Jércolis, e outros, de cujos nomes não me lembro, mas que poderão ser pesquisados pelo meu sobrinho Nelson, valendo-se do seu arquivo particular.
O gênero utilizado era o de burletas e revistas, inclusive esquetes e números de cortina, do total agrado das plateias de então. É como um “Vale a pena ver e ouvir de novo”, parodiando o “slogan” de uma emissora.
Todavia, Tangerini teve a perspicácia de publicar na revista O Espeto inúmeros desses seus trabalhos teatrais, como a querer dizer: “- Quem guarda, tem, ora pois, pois”...
Outro lado dele: Era um “mestre” em contar anedotas. Passava a noite inteira, se necessário fosse, a desfilá-las. Eu, geralmente, entregava os pontos antes da última. Na penúltima, já havia adormecido. Não aguentava...
Nirton, irmão mais velho do Nelson, também professor, mas de Biologia, herdou do pai esse gosto pelas anedotas. Sempre sabe das últimas... O bom é que não deixa nenhum de seus ouvintes ficar sério. Ele saboreia bem sobre o que disserta, gesticulando a respeito de qualquer pormenor, teatralizando, digamos, sobre o que diz, vivendo o que conta, rindo-se a valer, fazendo com que o seu auditório o acompanhe em estrondosas gargalhadas...
Tanto isto é verdadeiro, que cheguei a sugerir-lhe compusesse um livro de anedotas, com o seguinte título: “Anedotas de ontem, de hoje e de sempre...” Mas ele não deu bola. Prefere continuar contando anedotas por aí... É um pândego.
Não querendo alongar-me nesta depoimento, por aqui me fico, Tangerini, com um até mais ver, aconselhando-o: Sorria, sorria sempre, como você o fazia com seus leitores e distintos espectadores teatrais.
Tangerini, sorria, pague suas dívidas com um sorriso, pois o melhor é sorrir e fazer os outros sorrirem também, como você sempre o fez e com divinal eloquência!
Fico-me, pois, por aqui, com um
Até breve, Tangerini.
Do amigo e cunhado,
MM
( Maurício Marzullo)
Arquivo das Famílias Marzullo, Tangerini e Pêra.