Padre Magalhães
Por Nemilson Vieira de Morais (*)
O Padre Magalhães como era mais conhecido seguramente na sua via sacra pela vida deixou muita saudade por onde passou, viveu…
ARRAIAIS (TO), O BERÇO
“Monsenhor João Magalhães Cavalcante nasceu em Arraias (TO), em 15 de março de 1923.”
A cidade das colinas deve se orgulhar do ilustre filho da terra que um dia brincou por suas ruas, praças logradouros, vielas… Bebeu e refrescou-se nas águas cristalinas dos seus grotões e mananciais centenários.
PORTO NACIONAL (TO)
Ao dar de si o menino João via os pássaros em liberdade nos ares e também se pôs como um deles…
Logo cedo na vida saltou do ninho e como águia nas alturas ganhou o mundo… Mesmo com pouca autonomia de voo (pelas limitações da idade) fez boa viagem e pouso seguro, na primeira parada que fez não muito longe das raízes. — Em Porto Nacional, aos 12 anos. Iniciava por lá o seu contrito viver em santa trilogia: Colégio Sagrado Coração de Jesus, Catedral Nossa Senhora das Mercês, Seminário São José.
DIAMANTINA (MG)
João tinha uma vocação a continuar, uma missão a cumprir e a isso precisou seguir a sua trajetória de estudos, aprimorar-se mais, para melhor servir ao próximo… Voou para o sudeste brasileiro.
Transpôs fronteiras e pousou suavemente — como ave sertaneja da Chapada dos Negros — no berço esplêndido de Juscelino Kubitschek de Oliveira, em Diamantina.
Seguiu os passos do estadista famoso no Seminário Diocesano (que lá estudara). — Tempos após também rumou como este, para Belo Horizonte, com pouco dinheiro no bolso e muitos sonhos na bagagem…
NA CAPITAL MINEIRA
Num aproveitamento das correntes de ar no planar das grandes aves, o jovem João Magalhães aportou na efervescente e calorosa capital mineira. Por cá encontrou guarida e provimento necessário para o bom desenvolvimento do corpo e alma. No Seminário Central, Sagrado Coração Eucarístico. — Um dos mais conceituados do país.
O bom filho arraiano, que buscava a paz entre os irmãos, dias melhores para a sociedade dos homens estava no lugar certo. Nele permaneceu até realizar o seu grande sonho: concluir o curso sacerdotal.
Encontrou grandes desafios nos caminhos que passou. Enfrentou muita disciplina e abnegação. Absorveu o que pôde de conhecimento e saber. Soube como poucos administrar e viver o que aprendeu.
Não lhe faltaram saudades a sumir de vista. — Da família e dos amigos... que ficaram para trás. Enquanto os jovens na sua idade curtiam as baladas, os prazeres efêmeros da carne, nas madrugadas belorizontina, João nos seus estudos teológicos, acadêmicos preparava-se para a vida… — Piedosa e secular, que havia de dar continuidade ao regressar para casa.
O RETORNO ÀS ORIGENS
De regresso ao seu torrão natal; nas terras goianas havia chegado à hora de pôr em prática o grande aprendizado que obtivera em claustro, nas instituições afins. — Somada à experiência de culturas dos lugares que vivera.
EM DIANÓPOLIS (TO)
Nos seus trabalhos em Dianópolis, no antigo Arraial São José do Duro, ao empunhar o bastão do ensino deparou-se com a compensadora dureza de preparar “homens do futuro”. Instruir, indicar caminhos… No Juvenato Dom Alano (que fundou?) apontou aos “Meninos do Padre” — estudantes internos sob a sua égide, boa direção, bom destino. Fez o que pôde nesse sentido e tempos depois já colhia os louros da vitória; vendo-os como cidadãos do bem a tocarem as suas vidas.
EM CAMPOS BELOS (GO)
Conheci o saudoso padre Magalhães em Campos Belos, como estudante do Estudo Fundamental e ele como primeiro diretor do Colégio Estadual Polivalente Professora Antusa — primeira instituição de ensino secundário da cidade. Atualmente Colégio de Ensino de Período Integral (CEPI).
Depois que o padre Magalhães passou por esta escola, nunca mais deixou de ser referência do lugar e região, na matéria de ensino, qualidade do seu corpo docente, participação comunitária, estrutura…
SEMPRE SOLÍCITO
Por força do ofício, o então diretor com a maior atenção amava ouvir às pessoas dum modo geral e, de maneira especial, os seus alunos.
Numa ocasião, preocupado com o meu desempenho em algumas matérias, pedi a sua autorização para participar de algumas aulas extras, noutros turnos e fui prontamente atendido. Fiquei na maior alegria por essas aulas de reforço!
Como bom professor se fazia notória a sua preocupação, com o tempo ocioso dos seus alunos: ao atraso ou falta dum professor titular ele corria na sala e preenchia a lacuna deixada pelo mesmo, numa proveitosa aula.
CANETA COR DE OURO
Houve alguns concursos nesse tempo, na escola. Uma redação sobre o Mártir da Inconfidência Mineira, o Tira-dentes e outro, de poesia. Em ambos fiquei entre os três mais bem colocados. No primeiro, o Prefeito Ninha ex-aluno do internato em Dianópolis premiou os vencedores. O meu prêmio foi uma caneta reluzente como o ouro. De tão contente que fiquei nem quis usá-la continuamente. Não escrevi uma palavra sequer com ela. Recomendei a melhor pessoa desse mundo para tomar conta da minha conquista. A mãe a guardou tão bem guardada que nem ela mesma conseguiu achar, quando precisei. — Até hoje não se sabe por onde esss caneta se meteu.
QUASE UM COROINHA
Um dia o Padre Magalhães convidou-me a um serviço religioso. No caminho entendi que não se tratava de ajudá-lo a dizer missas, proclamar o Evangelho; mas para abrir as muitas cancelas no percurso do caminho que fizemos. — Ainda assim o acompanhei nas rezas naquela comunidade rural que fomos. Fui quase um coroinha naquela experiência eclesiástica.
INDIVIDUALIDADE
Magalhães ostentava uma estatura mediana, pele clara e olhos azuis da cor do céu, se não me falha a memória. Um abraço a ser dado nele precisava de cuidados: por aparente fragilidade física. Já num diálogo era possível se achar apequenado diante da robustez intelectual que demonstrava. Gostava de “realizar tudo com perfeição, com excelência, com o maior apuro possível;” como um sertanejo apurado. Íntegro, respeitoso e comedido em tudo que fazia; um homem simples sem ser simplista. Nas descontrações mais reservadas não escondia a apreciação por um aperitivo da terra, numa semente de imburana.
UM PARECER DE UM COLEGA SACERDOTE
De acordo com o padre Eldinei da Silva Carneiro Neto, o monsenhor (em questão) era conhecido como um dos padres mais intelectuais do clero de Porto Nacional. Além de ter dedicado bastante a educação.
Realmente consta nos anais da sua história como sendo um abnegado servidor da educação principalmente na sua região de origem.
NUMA OCASIÃO O PADRE MAGALHÃES FOI…
“[…] designado pelo Bispo Dom Celso, como vigário auxiliar de Dom Alano.” — Li isso num texto dum amigo escritor campos-belense.
Lembro-me bem desse sacerdote (Dom Alano) quando pároco em Campos Belos, no início da década de 1970. Os meninos da minha idade ao vê-lo a andar pelas ruas da cidade corriam ao seu encontro para serem abençoados. Andava e parava para atender os pequenos; custava a chegar à casa paroquial. Dizem que não aceitava carona.
Quanto ao Padre Magalhães não há de se negar ter prestado um grande e relevante trabalho pastoral e social às comunidades onde esteve mais presente como “Porto Nacional (TO), Dianópolis (GO), Campos Belos (GO) e Peixe (TO).”…
MAIS UM FRAGMENTO HISTÓRICO
O Padre Magalhães “[…] Concluiu o seu estudo primário no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Porto Nacional (TO), onde ingressou como Seminarista, aos 12 anos no Seminário São José. Após dois anos, deu continuidade aos seus estudos e formação, no Seminário Diocesano de Diamantina (MG). Concluiu Seminário Menor e Maior no Seminário Central Sagrado Coração Eucarístico, em Belo Horizonte (MG). No dia 23 de setembro de 1950, foi ordenado sacerdote na Catedral Nossa Senhora das Mercês, em Porto Nacional.”
UMA CARTA ABERTA
Creio ainda guardar uma Carta Aberta do Padre Magalhães que circulou pela cidade de Campos Belos no final da sua gestão frente ao Colégio Polivalente. Direcionada não somente aos servidores da educação, comunidade escolar; mas referia-se a assunto de interesse da coletividade.
De um caráter argumentativo, pontuava a sua opinião e esperava convencer os seus interlocutores a cerca daquilo que defendia. Com os motivos do seu afastamento da direção da instituição de ensino onde serviu por anos a fio. Uma narrativa de caráter sucinto, coeso, bastante esclarecedor, com palavras não tão rebuscadas, mas brilhantes, com elementos emotivos expressivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sempre há de faltar algo mais na história de alguém. Tive essa sensação ao envolver-me nesta narrativa. — Desejoso de ler uma obra de autoria do Padre Magalhães.
Vamos e venhamos: ela (a obra) já fora escrita por ele nas nossas vidas; o que mais há de querer?
O espírito de luta e superação dos muitos filhos ilustres de Arraias, do passado e do presente deu motivo ao autor da frase a seguir dizer: “O arraiano é antes de tudo, um forte”.
O Padre Magalhães foi um dos tais; com um diferencial: viveu de coração aberto a compartilhar conosco o melhor que possuía no seu intelecto e na sua alma. Os seus saberes, seus sentimentos, seu amor.
“Um Homem Além do Seu Tempo” como bem definiu o Dr. Abílio Wolney no seu livro de mesmo título.
Em fevereiro de 2011 deixou-nos, aos 88 anos, em saudade eterna!
Descanse em paz padre, no Jardim das Palmeiras onde lhe puseram para um merecido descanso, na linda capital de Goiás; no horto das nossas doces lembranças e no Paraíso de Deus. Feito por Ele “para aqueles que O amam.”
*Nemilson Vieira de Morais
Gestor Ambiental e Acadêmico Literário.
(18.08:20)
Nem1000son@gmail.com
FONTES: (Com informações da Paróquia Nossa Senhora D'Abadia) KIKO JACOBINA.
http://kikodno.blogspot.com /2011/02/ Morre aos 88 anos-monsenhor-joao.html?m=1.