ANGELINA MANDARINO

DOCA

Que lindo dia faz lá fora: o sol brilhante oferecendo luz e calor. Cá dentro de mim, chora minh’alma, chora de dor sem parar, um pranto de amor e gratidão, um pranto sem nome face ao absoluto que se desfez, morreu minha inesquecível Doca, Angelina, quase que de repente meu anjo de bondade se foi, única em meu sentir, em meu querer... Foi uma morte de corpo e alma, morte completa: sem deixar o triste despojo da carne, sem poder ver o que lhe restara de vida findada, estendida em um caixão, ostentando a máscara de cera que sói aos que partem deste mundo dos viventes. Eu, pessoalmente, não podia conceber esta minha amada irmã prestando-se a um velório inexeqüível, porque ela fora vida, ela fora sol, muito sol tal qual o dia de hoje. Nada de velório, Doca tornou-se cinza após uma cremação, última forma de torná-la natureza: sol, mar, sereia dos maviosos cantos do além... Com certeza, esta minha inesquecível irmã não se prestaria à fúnebres honrarias, cercada de flores que num só dia apodreceriam. Banhada de lágrimas pelos filhos amados – Carminha e Aldinho, da neta Carla ou do neto Aldinho também, não, isto não! “Quero vê-los, todos eles, de fronte erguida, sorriso aberto nesta saudação última a mim prestada!” – Com certeza, Angelina diria. É um momento difícil, indizível, invisível onde o pranto jorra menos de saudade do que do espanto da morte. Doca previra tudo isto: como podia morrer sem deixar porventura uma alma errante a caminho do céu? Mas que tipo de céu podia preencher o sonho de céu? Doca percebia tudo isto em longas conversas entre nós estabelecidas, A fugacidade desta vida, a celeridade em que nos situamos neste tempo e espaço ou espaço sem tempo. Morreu o meu anjo do bem, a Doca da minha juventude, que cuidava das minhas unhas e da minha natureza de ser, morreu deixando marcas, uma sombra, a lembrança de uma sombra em todos os corações por ela amados, em nossos pensamentos, em nossas epidermes. Morreu Angelina por completo porque cumpriu a sua obrigação de viver com honradez e muita Fé. Depois que seguirmos o seu mesmo roteiro, um dia qualquer, um desses dias ao lerem o seu nome estampado num papel perguntarão: quem foi Doca? E, mais tempo ainda, morrerá mais completamente quando nem seu nome existirá... Este será o roteiro de todos nós e, enquanto existir saudade, as nossas preces subirão aos céus em louvor a tão ilustre criatura: ANGELINA MANDARINO - a tia dos meus sobrinhos.

Carlos Lira.

Obs. era seu desejo que as cinzas fossem jogadas no mar.

clira
Enviado por clira em 14/08/2020
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