O ULTIMO PEDIDO

Começo escrever quanto são exatamente sete horas, trinta e seis minutos e vinte sete segundos do dia dezessete de julho de dois mil e vinte. O dia amanheceu com algumas nuvens no céu, talvez anunciando outras que virão mais tarde e trarão uma boa chuva para molhar os jardins, pastos e plantações. Estamos no período das chuvas aqui próximo o outro lado do equador.

Vivemos tempos muito difíceis, em que uma pandemia assola os lares e entra em nossas casas sem ser convidada, desinteirando famílias, levando parentes e amigos, talvez esta seja a pior epidemia depois da peste negra do século XIV, somos obrigados a usar máscaras para evitar o contagio do vírus COVID-19. O que nos conforta é saber que temos um Deus que é digno de toda honra e toda gloria, e sabemos que conforme sua vontade só ele tem o poder de dá a vida e retira-la, e tudo acontece como num sopro, pois somos frágeis como fogo de uma vela ao passar de uma brisa.

Apesar do AVC seu Valdemar continua firme, apenas com algumas limitações em seu braço esquerdo, mas sempre fumando, o que lhe deixa incluso no grupo de risco da doença, mas graças a Deus e por determinação dele, mais dias e anos serão acrescentado em sua vida, apesar de estar convivendo com sua companheira e filhas que já tiveram a doença em um grau menos severo.

Irei rebuscar na memória uma passagem de meu pai em que se refere a morte e me faz um último pedido, como sempre imprevisível.

Aconteceu em um dia em que cheguei na chácara e lhe encontrei como sempre trabalhando e também como sempre fumando. Não demorou muito tempo para que o cigarro cumprisse sua sina, que nem descrito na música de Fagner;

“E é ele, ó meu amor, pelos espaços.

Fumo leve que foge entre os meus dedos. ”

Seu Valdemar fez então uma pausa para tomar um cafezinho e em seguida como é de lei, outro cigarro, conversa vai, conversa vem, e mais outro cigarro sai da carteira, foi aí que resolvi perguntar a ele se já que não conseguia largar de vez o cigarro, será que pelo menos não conseguiria diminuir o consumo.

Ele fez questão de nem tentar responder minha pergunta, e depois de um pequeno intervalor me fez um pedido, saiu então com uma que quando me lembro, me vem um ataque de riso, não importa o tempo e espaço. Tentarei descrever com as mesmas palavras seu pedido;

- Meu filho, eu quero lhe pedir uma coisa, talvez essa seja a última coisa que quero que faça pra mim.

Sem demora já fui lhe pedindo que me dissesse o que queria que fizesse, mas antes lhe perguntei porque a última.

E ele me respondeu:

- Porque eu vou está morto.

Fiquei mas grilado ainda, mas antes que lhe dissesse algo, ele já foi falando:

- Calma eu não vou me matar. Eu ainda quero viver muitos anos, o que eu quero é que quando eu morrer, você compre um pacote de cigarros, e no velório lá pras duas ou três horas da madrugada, quando meus parentes e amigos, já tiverem enjoados de verem aquele caixão comigo dentro, eu digo naquela hora em que até a família já cansou, já choraram o que tinham de chorar, uns estão lá pela frente da casa, outros no quintal e o morto está sozinho. Pois é, nessa hora que eu quero que vá com calma, devagarzinho por ali, sem deixar que ninguém perceba e coloque o pacote de cigarro por baixo daquelas mortalhas ou daquelas flores, que o pessoal botão dentro do caixão, de um jeito que ninguém veja depois. Entendeu?!

Fiquei imaginando a cena e cai na gargalhada, e perguntei;

- Sim, mas para que o senhor que cigarros no seu caixão?

Ele então me explicou;

- Filho, quando a gente é enterrado, lá embaixo deve ser um silencio...Uma solidão... Não tem com quem a gente conversar... É ai então que eu pego um cigarro pra distrair.

Ainda rindo lhe disse:

- Depois dessa meu pai, eu já me vou, o senhor é muito hilário, consegue fazer piada até com a morte.

Peguei o carro e quando estava saindo no portão, percebi pelo retrovisor que ele me acenava para que parasse, parei então, e fiquei esperando que chegasse. Ele então me olhou pela janela e disse:

- Não esqueça do isqueiro.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 18/07/2020
Reeditado em 18/07/2023
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