Meu pai
Valéria Lopes
Meu pai morreu...
E não vou ouvir mais a sua voz cantando e dizendo coisas engraçadas
Ele me fazia feliz todos os dias
Os bichinhos, seus seguidores fiéis, calaram suas falas
Assim como o tec-tec da bengala que repousa silenciosa atrás da porta do quarto
E eu emudeci minha voz, refugiei minhas lembranças num choro sem fim
Meu pai morreu...
Ele foi pro céu
Preciso aprender a viver sem ele
"O tempo vai ajudar, você vai ver!"
"Que Deus conforte seu coração"
Eu preciso entender sobre a morte
Sobre conforto do coração
Sobre tempo que ajuda
Meu pai morreu...
Parece mentira
Eu o achava imortal!
Como posso pensar uma coisa dessas se todos nós estamos condenados à morte?
Mas meu pai?
Passo pelo banheiro e o vejo fazendo a barba!
Puxo uma cadeira, me sento à mesa do quintal, e o ouço dizendo: “Não se bebe nada...”
E lhe pergunto: “Tudo bem?”
E ele me diz:
- Tudo bom. Bom demais!
Meu pai morreu, gente!
No lugar do sofá, onde se sentou a vida inteira, estão as almofadas tristes que lhe serviam de encosto e repouso das pernas
E o vejo, como antes, secando os olhos miúdos quando se emocionava
Tudo é muito nítido ainda
E sofrido
E sentido
Meu pai morreu e isso é para sempre
Mas sua ausência estará presente enquanto eu viver
A vida é estranha
A morte é egoísta
Os momentos me fogem e vou atrás das lembranças
Das lembranças boas
E tento me libertar das cenas finais
Mas há seus olhos que me encaram tristes e um emaranhado de sentimentos que me fazem doer
E se dói agora, vai continuar a doer, porque o tempo que eu viver vou me lembrar do que não quero esquecer
Seu Ellio era bom demais
Tinha um milhão de amigos e bem forte sabia cantar
Tinha um sorriso sincero e uma generosidade genuína
E tinha as mãos estendidas e os ouvidos atentos
“Durma com os anjos, pai!”
Num fio de voz, me disse:
- Amém!
E eu o tenho em mim para sempre.