Glórias à Maria da Glória
Muito do que somos é reflexo consistente do que nosso antepassados foram, tem a ver com as raízes, tem a ver com o sangue que corre depressa nesse corpo fremente que não para, tem sempre mais a fazer e quando não tem sabe criar... E com muito orgulho de sorriso a fustigar maxilares é que digo sempre que tenho ótimas raízes, não por sensacionalismo ou fato social, mas porque sabemos quando temos boas raízes, e especificando a quem cabe elogios, parto neste para pontos paternos, para uma das responsáveis por eu ser assim...
Uma pequena mulher, de fibra forte, chamada Maria da Glória. Tijuquense de sangue puro, nasceu em 1939, ano em que uma importante ponte, a Bulcão Viana também foi construída para dar acesso de Tijucas a outras partes do estado.
Viveu ali simplesmente, gozando com cautelas as belas épocas dos anos 50, 60, apaixonando-se pelo primeiro homem que conheceu em um baile na localidade onde morava, ia ela e as irmãs todas juntas, acompanhada dos pais no salão do Pernambuco, para se divertirem e verem as coisas novas que por ali passavam, mas Glória, porque assim que gosta de ser chamada, não se interessou por novidades, mas por um moço que há tempos via freqüentar aquele local... Era ele Milton, filho do Mané Delfina que era popular contador de histórias da redondeza, sei que pra quem não conhece é difícil ligar e relacionar todos esses nomes, mas apeguem-se somente em Maria, a doce e também glória, Maria. Ela conheceu Milton e se casaram, tiveram três filhos: Maria Amélia (minha tia, a mais velha pra lá de porreta), Amilton ( o bendito fruto, meu pai), e Telma (minha tia mais nova, também hiper gente fina). Só Telma nasceu na casa onde atualmente minha vó reside, ela não gerou filhos, mas anjos que cuidam da terra a sua maneira.
E vivendo muito simplesmente, de objetivos pequenos e concretos, ela chegou aos setenta e sete anos, cheia de vida, filha de uma mulher que faleceu aos noventa e poucos. As vezes ela tem um gênio meio difícil, meio em burrada, meio birrenta, mas é minha vó a quem tratamos com respeito, e devemos amar incondicionalmente porque contribuiu para nossa perfeita existência. Eu com ela sou um contraste: quase louro, alto, pele bem clara, olhos claros, e ela pequeninha, morena, de olhos escuros, mas de um humor tão gostoso que dá vontade de roubar... E quando ela sorri! Nossa senhora, o sorriso dela é tão bom, porque é um sorriso sem medo, seguro, que é pra ver a gente sorrir também. A vó Glória, o que mais eu posso falar de ti, que é tão ligeirinha, apressada, e por isso vez por outra leva um tombo e tira um pedacinho de si mesma, mas que não desiste e não para, não deixa a idade e algumas dificuldades físicas serem o obstáculo pra seus desejos.
E como programado ela faz sua rotina, mão de uma vizinhança que ela faz questão de rodear todos os dias, saber como estão os doentes, aconselhar as jovens e acarinhar as criancinhas.
Ela que adora um doce, a quem eu piro se passo mais de uma semana sem ver... E não que a gente tenha muito pra conversar, mas só ficar olhando pra ela, ouvindo sua respiração curtinha, é tão bom seu abraço que a cabeça encosta no meu peito, e seu olhar que vem de vários centímetros abaixo de encontro direto ao meu... Eu sinto que naquele momento, o mundo poderia acabar, mas ela olharia pra mim da mesma forma deliciosa como sempre faz. Também gosta ela de um bom salgado e por isso faz um trivial como ninguém, seu temperinho, o cominho carregado faz um bem estar. As reclamações de dor são muito normais, e liga a cobrar pra minha casa pra dizer que está com saudade, e como é muito econômica, não demora muito além de “um beijo pra ti e outro pro Diogo” pra gente não gastar muito com a ligação.
E ainda hoje, desde pequeno a gente pede uma goiaba, e as vezes nem precisa porque ela guarda, esperando a gente aparecer pra dar... E dá uma tristeza quando a gente vai embora e ela acena do portão mais uma vez e fica olhando o carro sair da sua rua... Mas sei que ficará bem, porque nos quer bem...
Mais que uma homenagem feita sem beleza, porque escrevi rápido e sem pensar nas palavras, mas no sentimento que tinha que ter, isto são lágrimas de amor convertidas em letras, palavras de amor, falando de um ser humano que de tão grande parece tantos...
Vó, eu te amo, e simplesmente isso... Te amo!
Douglas Tedesco – 10/2007