SAUDADE: PRESENÇA DOS AUSENTES

"Acho que só agora eu começo a perceber

Tudo o que você me disse

Pelo menos o que lembro que aprendi com você

Está realmente certo."

(Renato Russo)

############################

Sabe quando paramos para pensar e lembramos profundamente de alguém, e inevitavelmente as lágrimas escorrem pelo rosto?

Lembro-me sempre do pouco que vivi com meus avós, aqui falo de Carlos Feijó e Hugo canto. Não precisaram ser heróis, nem ter superpoderes, foram e sempre serão gigantes para esse neto que mantém a saudade viva e sempre agradecendo por terem feito parte do que sou.

Sempre quando me pego pensando neles, percebo que não tenho uma lembrança ruim sequer. Lembro dos sorrisos, das poucas, porém, importantes conversas, e principalmente o carinho que sempre senti. Amor puro.

Detalhes poucos sobraram em meu cérebro, infelizmente minha caixinha de lembranças tem pouco espaço preenchido, e a culpa é minha, poderia ter aproveitado mais da inteligência e sabedoria daqueles que se mostraram os melhores no que faziam.

##############################

Saudade: presença dos ausentes.

Olavo Bilac

##############################

Vô Carlos

Homem forte, depois de ser um professor na área agrícola por mais de 35 anos no centro de treinamento de mecanização da lavoura, ensinando a arte de lidar com tratores, colheitadeiras e tudo que se referia a agricultura, não parou, continuou a trabalhar pesado, construía moradias, ou seja, deixou obras construídas, marcas que não serão apagadas e que dentro delas existem famílias satisfeitas. Que orgulho desse neto, que saudade!

Ele junto com a vó Geni, me mimaram muito. Fui morar com eles, para estudar e ele me levava todos os dias para o colégio, eu tinha 15 anos, poderia ir de ônibus, mas isso nunca foi questionado por eles. O chevete verde musgo estava sempre pronto para levar e buscar o neto preguiçoso.

Antes de sairmos todas as manhãs, quando eu acordava, o café já estava pronto, o meu inclusive estava servido. O rádio na cozinha, ligado, um pouco de música tradicionalista gaúcha e notícias, belas recordações.

Eles riam das partes engraçadas das canções, gerava assunto para mim que como todo adolescente, pouco interagia. Arrependimentos.

Na construção do prédio onde seria o mercado de meus pais, eu percebia nitidamente a força desse homem, alguns jovens ali, trabalhavam com os semblantes cansados diferentemente de meu avô, ele parecia esculpir obras de arte, visando a perfeição como era sua vida, não havia sorriso no rosto, o trabalho era sério, mas existia o ar de satisfação e alegria interna por estar realizando o sonho dos outros.

Eram três gerações trabalhando junto. Vô, pai e eu. Confesso que ajudei muito pouco, além de pré-adolescente, era muito preguiçoso.

Tiveram dois filhos, meu pai e minha tia Tânia, cinco netos, três bisnetos, dois não o conheceram, uma pena, mas as fotos e nossos comentários trarão sua história para o conhecimento deles. É nossa responsabilidade manter a importância dos que já foram para os que chegaram depois.

Quando criança, as maiores lembranças são de visita-los no centro onde ele trabalhava e morava, ver os animais, principalmente minha vaca "Guampa só" e comer morangos, onde havia um espaço que era só meu e se não estou enganado, era no meio de um pneu de trator. Como disse antes, fui mimado, fui o primeiro neto, fui muito amado.

Já na casa nova, que ele construiu, as lembranças são do fusca azul, que levou minha mãe ao hospital para eu nascer, mas que ainda o acompanhava. Depois o chevete que foi meu carro escolar, pensando assim, vejo que meu vô, me levou a dois lugares importantes, ao meu nascimento e a busca do meu conhecimento. O segundo não foi bem-sucedido, mas o momento da minha estreia ao mundo foi em sua carruagem que cheguei.

Saudade daquele abraço, do beijo em seu rosto de barba grossa, e das conversas, que foram poucas, porque aproveitei pouco, julgava que teria mais tempo, para mim ele era imortal.

Quem diria que ele fosse ir embora tão cedo? Quando eu olhava em sua direção eu via um senhor com jeito atleta, respeitando seu organismo e fazendo tudo direitinho... Mas a vida é assim, quando menos se espera, os anjos pregam uma peça.

#################################

Vô Hugo

Boêmio, daqueles que eu gostaria de ter sentado para escutar as histórias de vida e principalmente da segunda guerra, no qual participou e que é uma das coisas que mais gosto de ler, por razão dele. Sei que ele não gostava de falar sobre o assunto, mas pra mim ele falaria. Tenho certeza. Outro que me mimou exageradamente, meu amou muito, como amava a todos, era sua natureza. Fui o primeiro, só eu existia, tudo era para mim.

Pensem! Meu vô foi para guerra e voltou.

O que ouvi e ouço sobre ele é só história boa, muitos causos engraçados, contado pelos meus tios, minha mãe e principalmente meu pai. Muitas saudades.

Com a vó Adélia, tiveram quatro filhos, minha mãe, dois tios, Marco Antônio e Igor e tia Mônica. Depois chegou a Rosane, tia do coração. Sete netos e três bisnetos, não conheceu em vida os bisnetos e alguns netos, mas todos o conheceram, a família trata de contar quem era o avô.

Não me chamava pelo nome, dizia ser americanizado, virei Pitito. Amor, apenas isso. Já o conheci "velho", de cabelo totalmente branco e aprendi sobre ele depois de começar a compreender o mundo, quando ele foi, eu era muito criança.

O que conto é o que me contam, situações na maioria das vezes engraçadas. Pescarias, bares, festas, família, vários contos e causos saíram do universo do Capitão Hugo.

Eu pouco presenciei, tenho muitas recordações do que não vivi. São tantos contando que as vezes parece que eu estava lá. Mas infelizmente não. Não deu tempo de tomar uma cachaça junto dele. Acho que o acompanhei no dia em que ao incomodar muito, ele molhou minha chupeta no copo dele e me deu pensando que iria me traumatizar… foi o contrário. Eu tinha dois anos, eu acho.

E já o vi depois que ele foi, ele sabe disso, se mostrou, me cuidava ali de perto, fazendo o que gostava. Foi um dia mágico, sem diálogo, aquele homem que pouco pude participar em vida, me mostrou que não me abandonara. A luz que senti foi forte e sei que dentre os anjos que me acompanham todos os momentos de minha vida, ele é o Capitão. Muito orgulho.

#############################

Isso foi só um pedacinho do que eles foram para suas famílias, amigos e especialmente para mim.

São algumas palavras sobre os dois, só um momento de poucas, mas ótimas lembranças que me levam ao passado e que sim, movem lágrimas, mas de alegria, por ter o que contar sobre eles, de gravar em minha memória, seus rostos, suas vozes e o amor que sempre passaram para quem precisava.

Agora são duas estrelas que iluminam mais o céu e que sei que estão comigo sempre. Obrigado por terem deixado legados importantes para mim e para a história. A vida continua, o ciclo continua, justo ou não, assim que é.

Sou muito grato por terem passado por aqui e de terem me dado a honra de fazer parte de suas existências... Muito obrigado!

Cristian Canto Feijó

###############################

"Não preciso de modelos, Não preciso de heróis

Eu tenho meus amigos, E quando a vida dói

Eu tento me concentrar, N'um caminho fácil

Sou eu mesmo e serei eu mesmo então

E eu queria que o tempo

Pudesse voltar dessa vez"

(Renato Russo)

################################

Belíssima interação de FERNANDO A. FREIRE.

Ó meus pais, ó meus avós,carrego sempre dentro de mim

um tantinho de vós.

Caminho em vossas veredas e sigo fiel as vossas verdades.

Paro e penso nos que já partiram, que me amaram, que me abraçaram, que me instruíram, e reponho às costas este imenso fardo de saudade, que me anima, que me renova, que me dá mais forças para manter firme todos os meus passos nesta mesma senda onde já passastes.

A mesma senda que nos leva, todos, a um lugar bonito que conquistastes no infinito.

Amor filial se torna um peso mais leve quando não carrega ponto final.