O VIGÁRIO DE ANGELIM
“Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa”.
Charles Dickens
A missão de um bom pastor é a de salvar almas e a de salvar vidas também. O padre salva porque é instrumento do Salvador. Às vezes ele faz-se de Jesus que quer salvar, resgatar a cada um de nós afinal “a vontade do Senhor é que nenhuma vida se perca" (Jo 6,39). O Cônego Carlos, o saudoso vigário de Angelim, Cidade situada no interior do Estado de Pernambuco, foi exatamente assim: cumpriu a sua missão terrena com total dedicação e amor ao próximo. Soube exercer o cotidiano de seu ofício que era buscar salvar as pessoas. Ele atendeu ao chamado divino para resgatar aqueles que estavam à beira da morte, aqueles que insistiam em escolher caminhos da morte. O Cônego Carlos salvava porque tornara-se instrumento do Salvador!. Cumpriu a sua missão terrena com fervor, dedicação e galhardia, tanto assim que, em honra à sua memória, uma das ruas da cidade de Angelim leva seu nome: Rua Cônego Carlos Fraga. Fez jus a esta singela homenagem.
Conheci o Cônego Carlos em outra circunstância. Fui seminarista em Garanhuns – Seminário Menor São José - o Cônego Carlos sempre que vinha a Garanhuns, (cidade vizinha a Angelim) nos visitava porque era amigo do Padre Jaime, reitor do seminário na época e hoje é bispo benemérito de Alagoinhas, Bahia. Naquele tempo, Angelim era uma cidade com poucos habitantes, sendo a maioria pessoas de baixo poder aquisitivo, salvo as autoridades. O Cônego Carlos mal ganhava o suficiente para sobreviver. Em vista disso, o doce vigário de Angelim tornou-se o nosso professor de grego. Ministrava aula duas vezes por semana.
Este padre santo interagia conosco, os seminaristas, era atencioso e, sempre que podia, nos convidava para um passeio a Angelim, dormíamos em sítios ou fazendas, banho de açude e caminhadas. No mês de maio, cada noite era confiada a um morador da cidade, eram os chamados “noiteiros”, uma ou outra vez, fomos convidados a abrilhantar as homenagens à Maria, a Mãe de Jesus, entoando hinos marianos e ladainhas.
Assim era a vida vivida daquele saudoso Cura de Angelim que ao administrar os sacramentos, continuou salvando aquele jovem ao iniciar seu caminho de seguimento a Jesus no batismo; na Santa Missa exortando o seu rebanho à prática dos bons costumes e amor ao próximo, tornando-se instrumento de salvação ao oferecer aos famintos e sequiosos o Alimento do Céu; que sacia e dá sentido à existência. Soube ser pastor e pai ao convencer aquela jovem a não abortar seu bebê em formação ou pedia ao casal para recomeçar após uma traição. Tornou-se salvador quando tentou abrir os olhos dos jovens, orientando-os a rejeitar os vícios. Da mesma maneira salva quando abraça e consola aquela mãe que chora ao ver seu filho enveredando o caminho da perdição tornando-se assaltante ou criminoso. Foi salvador ao estar junto daquela viúva que não encontrava motivos para viver. Foi salvador, em nome do Salvador igualmente, ao visitar aquela família pobre e esquecida por todos, levando o pão da Palavra e um pouco de comida para mitigar a fome voraz. Em sua faina diária ainda lhe sobrava tempo para salvar e estender a mão de Pai misericordioso àqueles mortos pelo pecado que contrito se dirigia ao confessionário; aos doentes, acamados sendo salvos pela sua presença e unção oferecida, que ora os conduzem à recuperação da saúde, ora os preparava para a vida eterna.
Afinal, o Cônego Carlos sabia que o presbítero salva porque um dia igualmente o Senhor o resgatou no Sacramento da Ordem. Ele salva ao morrer para si, esquecendo suas dores em vista da salvação do povo a ele confiado. Foi exatamente esta entrega que pautou a vida santificada deste saudoso Cônego e a mim foi um exemplo que perdura até hoje em meu pensamento.
Certa feita, após ministrar as aulas de grego, depois do almoço, o Cônego Carlos estava na sala da reitoria conversando com o Padre Jaime e comentou estar sentindo uma forte dor de cabeça. Foi convidado a deitar-se na cama do reitor por alguns minutos já que depois iria encontrar-se com o bispo diocesano Dom José Adelino Dantas em cujo brasão ostentava os dizeres UT UNUM SINT – "para que todos sejam um". Na hora aprazada o padre Jaime foi acordá-lo. Qual não foi a surpresa – O CÔNEGO CARLOS ESTAVA MORTO!
A última vez que fomos a Angelim foi por ocasião das exéquias do saudoso Cônego...
Deixou-nos o belo exemplo de Fé e dignidade lembrando-nos que não podemos esgotar as infinitas maneiras do Senhor salvar as pessoas através do padre. Cumpre-nos a nós lembrar que muitos desses gestos acima mencionados, não apenas o sacerdote pode executar, na verdade, cabe a cada pessoa que carrega o nome de cristão repetir as atitudes do Cristo. É salutar a todos ouvir sua voz: “Vá e faça a mesma coisa” (Lc 10, 37). “Eu lhes dei o exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13, 15), tendo em vista, que a missão de todo batizado é continuar a missão de Jesus.
“Deus me enviou à terra com uma missão. Só Ele pode me deter, os homens nunca poderão” Bob Marley
Carlos Lira