BELA FEIURA

Deolindo Pinto das Graças

Era um cabra afamado

Conhecido onde morava

Como "Sombra do Diabo".

Cabunco, Cambeta, Tiriça,

Eram alguns de seus apelidos,

Pois tinha nascido do avesso,

De beleza exterior desvalido.

Por onde ele passava,

Não deixava de ser notado.

As mães escondiam os bebês

Para não ficarem assustados.

Algumas das contumélias,

Eram agressivas e tétricas.

Diziam que a mãe do pobre não deu a luz,

Mas sim uma descarga elétrica.

A falta de atributos estéticos

Ele procurava compensar,

Com outros aspectos que pudessem,

Sua feiura amenizar.

Aguentava os vitupérios

Com destreza e sem frescura,

Adágios ele rascunhava

Em alusão à própria feiura.

Com o tempo ele tornou-se

Uma figura respeitada,

Uma espécie de redenção

Ou de alma predestinada.

Quando lhe chamavam de feio

Ele retribuía com tranquilidade:

Tua beleza pode ser ilusão,

Mas minha feiura é realidade.

"Feiura é igual roupa íntima",

Dizia ele sem censura:

Ninguém empresta, ninguém quer,

Pois cada um tem a sua.

As moças achavam um charme

Aqueles pensamentos criativos,

E não raro o surpreendiam

Com olhares atrevidos.

Deolindo Pinto das Graças

Era um feio com conteúdo,

Partiu cedo desta vida,

Falou pouco e disse tudo.

"Nasci em ponta de estoque",

Brincava com humildade.

Alguns de seus ensinamentos,

Deixou para a posteridade:

"O ser humano é metonímia

Uma parte pelo todo,

Sempre há um detalhe bonito

Até no ser mais assombroso."

"Essa ditadura da estética

Gera valores muito esquisitos:

O bonito tem medo de ficar feio,

O feio tem esperança de ficar bonito."

" A feiura não é tragédia,

Ainda que possa parecer,

Se te amam é pelo que você é,

Não pelo que aparenta ser".

"Não se apiedem dos feios,

Dizia ele sorridente:

A beleza é passageira,

Mas feiura é para sempre".

Quantas saudades tenho,

Desse amigo mal diagramado,

Tanta beleza existia,

Por traz de seu casco desajambrado.

Hoje estás assombrando o céu

Com seus dentes tortos sorrindo,

Se aqui foste Azmodeu,

Lá tu és o anjo Deolindo.

Interação honrosa com do poeta JACÓ FILHO:

Quem ver com os olhas d'alma,

Distingue do corpo físico,

Imperfeições e ressalvas,

Que não mancham o espírito...

Gi Luz
Enviado por Gi Luz em 25/01/2020
Reeditado em 30/01/2020
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