Dia da Consciência Negra
Dia da Consciência Negra. Dia da consciência limpa. Esse feriado de 15 de novembro foi o mais violento de todos os feriados do ano, até aqui, pelo menos. O número de mortos nas estradas cresceu, isto significa que a consciência está adormecida no interior do ser humano. Consciência é compreensão dos eventos atinentes da vida real, da própria existência, é estar acordado, despertado, não fazer sandices como quem está sonambulando. Mas, consciência também é a capacidade de discernimento, a parte do humano estudada por Freud, estimulada pela sociedade e feita de objeto pelo capitalismo; vendem-se roupas usando pessoas brancas e negras lado a lado; vendem-se carros colocando pessoas usando relógios caríssimos na direção; vende-se tudo manipulando o inconsciente para conscientizar a pessoa que ela é um ser humano, mas que possui um cartão de crédito, que essa pessoa humana precisa daquele produto, precisa comprar sem culpa, sem ser intimidado.
Evoluímos em nossas campanhas de marketing, as peças publicitárias não te ameaçam mais - abra sua conta em nosso banco ou você vai se arrepender amargamente - hoje você só precisa comprar. "Veja os bolos da padaria do Manuel, eles são feitos a partir das receitas da vovó portuguesa. Compre!" O espectador vai à padaria inconscientemente e compra o tal bolo feito como qualquer outro bolo. Mas o sabor evocado no subconsciente pela propaganda surge em seu paladar fazendo com que aquele bolo seja o melhor bolo daquela padaria... Não de todas as padarias. Mas isso não importa; você vai comprar porque evoluímos em nossa consciência e não usamos a comparação de etnias, de gênero, de nenhuma outra feita que possa hierarquizar pessoas na sociedade. Pra quê, né? Isto está em nosso tutano, fazemos isso sem precisar que tevês e rádios nos induzam. As musicas dos anos oitenta tinham razão; "A gente faz carro / E não sabe guiar / A gente faz trilho / E não tem trem prá botar" (a segunda parte é só porque sou mineiro), não sabemos guiar em nossas estradas com essa pavimentação horrorosa, nos tornamos inconscientes atrás da direção, e fabricamos nossos carros para morrermos dentro deles, por eles, para eles... Assaltos matam, os assaltos a carros matam mais. Se não morrermos no assalto, viveremos pagando página por página da bíblia que nos dão, sorrindo do nosso sorriso besta de consumidor inconsciente.
Outra música dos anos oitenta, que chamo do lugar chamado “espaço da experiência” pelo historiador alemão do pós-guerra Reinhart Koselleck, e que nos faz um convite mais que atual, “Vamos comemorar como idiotas / A cada fevereiro e feriado / Todos os mortos nas estradas / Os mortos por falta de hospitais (...) / Vamos celebrar o horror / De tudo isso com festa, velório e caixão / Está tudo morto e enterrado agora” – "Perfeição." Legião Urbana. O descobrimento do Brasil (1993). Feito o convite, 'vem, vamos embora', Vamos celebrar o dia da Consciência Negra enterrando nossos jovens, crescidos na periferia, sem chances de mostrar os seus talentos. Vamos comemorar a nossa consciência, essa mesma consciência cauterizada pelo ópio do ódio popular, em nome da política, em nome do pai, em nome de mais uma propaganda na tevê em horário nobre, aliciando consumidores potenciais, inconscientes, do dia da Consciência Limpa.