O exemplo de Anne Sullivan
"É através da alma e do espírito que se atinge a verdadeira independência"
Anne Sullivan
Com certeza, poucos são os que não conhecem o belíssimo filme O milagre de Anne Sullivan, que foi filmado pela primeira vez em 1962 e depois ganhou uma refilmagem, em 2000, feita pelos Estúdios Disney. O filme conta a bela história de como Anne Sullivan começou a ensinar Helen Keller, jovem surda e cega que vivia como um animal. Todos nós sabemos que Helen Keller, a partir dos ensinamentos de Anne Sullivan, deu início ao desenvolvimento de seu espírito, aprendeu a se comunicar, foi a primeira pessoa surda e cega a se formar nos Estados Unidos e se tornou uma escritora e ativista, vista por todos que a conheciam como modelo de superação.
Além de tudo que já foi afirmado, que podemos dizer? A própria história de Anne Sullivan, ou Johanna Mansfield Sullivan (1866-1936), deveria ser filmada, pois é um exemplo de superação e resistência. Filha de irlandeses, perdeu muito cedo a mãe, foi abandonada pelo pai abusivo e alcoólatra, contraiu tracoma, ficando quase cega, foi mandada com o irmão James a um orfanato onde viviam em condições desumanas e perdeu o irmão para a tuberculose. Porém, todas essas adversidades não derrubaram seu espírito tenaz e brilhante e, graças a um inspetor que visitava o orfanato, conseguiu sair daquele lugar horrível onde convivia diariamente com a morte e o abandono, chegando a se formar pelo Instituto Perkins para cegos em 1886 como uma das melhores alunas. Ela também precisou fazer nove operações em seus olhos.
Seu primeiro trabalho sério como professora já era um desafio para qualquer professor mais experiente: ensinar a pequena Helen Keller, menina cega e surda que vivia no Alabama e era filha de um capitão que lutara no Exército como Confederado. Ao chegar ao Alabama, Anne deparou-se com um cenário nada animador: Helen Keller era totalmente indisciplinada e rebelde, pois todos faziam todas suas vontades, tratando-a como a um animalzinho, pois tinham pena dela por causa de suas limitações. O Capitão Arthur Keller, pai de Helen, também não achava que Anne Sullivan, mulher com problemas de visão, seria capaz de ensinar sua filha cega. Entretanto, Anne, mulher acostumada a lidar com adversidades, percebeu algo mais que os que conviviam com Helen não haviam visto: que a menina era muito inteligente e possuía bastante potencial. Então, desafiando os que insistiam em tratar Helen como inválida, Anne iniciou um duro trabalho para ensinar a Helen a linguagem dos sinais, soletrando palavras na palma das mãos da indomável aluna e obrigando-a a seguir regras de educação e convivência, tentando fazê-la agir como um ser humano normal. Depois de muita luta, Helen conseguiu sair da prisão da escuridão e do silêncio e iniciou sua maravilhosa jornada que se tornou um belo exemplo para todos que a conheceram e para as gerações futuras. Anne Sullivan acompanhou Helen até o dia de sua morte, em 1936 e Helen sempre lembraria dela com carinho.
Que a história de Anne Sullivan nos ensina? Que conhecer a pessoa certa faz toda a diferença na vida de muitas pessoas. Quantas pessoas inteligentes não permaneceram sem poder manifestar a grandeza de seus espíritos porque não tiveram quem lhes estimulasse? Que teria sido de Helen Keller se Anne não houvesse aparecido em sua vida? Talvez houvesse sido mandada a um asilo, como era comum naquela época. Aliás, essa era a intenção do seu pai.
Outra grande lição que essa maravilhosa mulher nos ensina é que não devemos nunca ter pena de ninguém. Ela percebeu que o maior problema de Helen não era o fato da menina ser cega e surda, mas sim o fato de que todos tinham pena dela e a tratavam como uma coitadinha. Anne se recusou a ter pena de Helen, ensinando-nos que ter pena é reduzir alguém à situação de incapaz. Ver como ela agiu com a menina, numa época em que não havia tantos conhecimentos quanto hoje, mostra-nos que ajudar não é fazer tudo por alguém, mas estimular a outra pessoa a se desenvolver e encontrar seu caminho, mostrando-lhe que ela é capaz de andar sozinha, crescer e aprender. O certo é ter compaixão e empatia, colocando-nos no lugar do outro, vendo-o como um igual, alguém que, como nós, deve ser respeitado e estimulado a seguir seus sonhos em busca da felicidade.
A bela história de Anne Sulivan e seu trabalho com Helen Keller ainda nos ensina como a educação faz a diferença no caminho de alguém e que, para compreendermos uma pessoa, precisamos nos aproximar de verdade dela, dando espaço para que ela se abra e revele seus sentimentos e necessidades. E Anne conseguiu se aproximar verdadeiramente de Helen, ensinando a menina, que até então era insuportável e mal-educada, a se transformar, tornando-se uma jovem cheia de compaixão, capaz de inspirar outras pessoas.
Ao ver Anne Sullivan e seu belo exemplo, podemos tirar muitas lições importantes para como agir com os filhos na atualidade. Quantos pais não superprotegem filhos sem necessidades especiais hoje em dia, tratando-os como se fossem crianças que nunca crescem, impedindo-os de desenvolver a sua plena capacidade de viver e se desenvolver como verdadeiros seres humanos? Anne ensinou aos pais de Helen que não deveriam ter pena da filha e muitos pais superprotetores, infelizmente, tratam seus filhos como seres incapazes e dignos de pena. Há mesmo uma cena numa versão animada da história de Helen em que Anne, corajosamente, diz ao capitão Keller que o amor dele pela filha é cruel. E podemos dizer isso do amor dos pais que vivem a fazer tudo pelos filhos (com ou sem deficiências): é um amor cruel, que mutila, impede a criança ou jovem de se tornar um ser completo. Seria bom que muitos pais aprendessem que nenhum filho, tendo ou não necessidades especiais, deveria ser tratado como alguém que só merecesse pena dos outros. Esse é um tipo de amor que apenas nos mutila. O verdadeiro amor é o que nos permite florescer, voar e nos metamorfosear, assim como a lagarta que amadurece e se converte em uma bela borboleta.