Doçuras do Paranha

O Morgan Freeman seria por demais glamourizado, porquanto o Jimmy Hendrix já seria por demais bagunçado para representar o Paranha que conheci, a trilhar pelas quebradas de Pitangui.

Donde veio, pra onde foi e nem mesmo como se chamava de pia ouso avançar qualquer hipótese. O que me lembro melhor é de vê-lo ocasionalmente à nossa porta, oferecendo algum produto da terra, como laranjas e bananas. Década de sessenta, mais especificamente. Quiçá já entrada a de setenta. Modestamente vestido, jamais escanhoado, e por descalço, no mais das vezes, quase beatífico. Era fácil fazer negócio com ele e normalmente quando papai o atendia, um dedo de prosa pelo menos saía, mesmo quando mercadoria não se adquiria.

Mais notório ainda era o tugúrio em que vivia o nosso ocasional fornecedor, no começo dum descampado, de então Chapadão chamado onde um ou outro casebre se constrastava com a imensidão do cerrado,

apenas listrado pelo campo de aviação. Lá, na quase absoluta certeza de que não haveria pouso ou decolagem previsto, íamos, meninos e já rapagotes bater uma bola, esperando que o Zaía lá estaria para botar um freio em sua impetuosa meninada, com sua ordem imperiosa ..."vamos tirá as ferradura primero.." Gêra, Zé da Ninha, Zequita, Luço, devem estar por aí para confirmar esse Mandamento do mestre.

Demais, a nos assistir, o coador sem fundo, balangando ao sabor do vento, que era como chamávamos a biruta.

E passar volteando o terreiro de Paranha, indo ou voltando nunca deixava de nos açular a curiosidade: um emaranhado de mato, cacos, cipós, peças e madeiras soltas, inclusive arames e garrafas impediam até que se lhe visse o seu doce lar. E desse contexto habitacional alguém me disse até recentemente, se não me engano o Zé Luiz Peixoto, que o Paranha foi um pioneiro nosso, legítimo e criativo na preservação do meio ambiente. Um exemplo quase nunca seguido...

Mas a cena mais doce do Paranha foi quando ele assomou ao nosso portãozinho, montado num cavalo baio, com seu chapeu de feltro inconfundível, oferecendo-nos, além da frutaria usual, uns doces involucrados em papel cor-de-rosa, no fundo de uma lata daquelas de gordura de coco, de dois quilos, não sei se da marca Tahi, ou Dunorte...

Nâo sei como andava então a gibêra de papai, mas mesmo sem termos provado da iguaria, a lembrança mais boa, que ainda soa, foi a de que aqueles doces eram ..."obra da patroa..."

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/06/2019
Reeditado em 15/08/2023
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