Mãe de três filhas
Mãe,
Mãe de três filhas.
Obrigada meu DEUS
Vencemos.
Como você dá conta sozinha das três?”
Deixa eu contar a situação do momento desta mãe de três que agora vos fala: Tela doente há quase um mês numa crise de tosse, aos berros, Bel querendo fazer o melhor dever de casa do mundo, com a melhor letra do mundo e frases épicas que parece vai garantir a ela o prêmio jabuti de literatura, Márcia numa fase eterna de ciúmes e possessividade, que não deixa ninguém chegar perto de mim, pega tudo da mão das irmãs e chora contrariada.
Quando a tosse ataca Tela de um jeito que ela vermelha igual a um pimentão, corro pra buscar o nebulizador. Márcia toma a máscara de nebulização da mão da irmã e derrama soro no sofá. Decido colocar um desenho para elas. Marcia finalmente larga, mas a nebulização parece desencadear uma tosse ainda pior na Tela, que chora aquele choro gritado no meu ouvido. Márcia encrenca que estou sentada em cima da almofada e começa a gritar também.
Bel, que há mais de uma hora está escrevendo praticamente um livro (era pra escrever 12 frases a partir de 12 palavras), desembesta a perguntar coisas do tipo “como escreve a palavra assunto?”, “casamento é divertido?”. ela não passou da quinta frase, mas não fecha a matraca por um segundo sequer. Explico que é importante fazer o dever mas que, naquele momento, a saúde da irmã dela requer atenção urgente, porque ela está a ponto de vomitar. O malabarismo é segurar o saco plástico na frente de uma (pra evitar vomito em cima do sofá), sair de cima da almofada para a outra dar sossego e tentar extrair da mais velha 5 minutos de silêncio para conseguir pensar direito.
Márcia já deveria estar dormindo. Eu preciso começar a fazer o almoço em 10 minutos. vou para o quarto para fazer a pequena adormecer mas, cinco minutos depois, entra Tela aos berros e lágrimas. Falo baixinho que preciso que Márcia durma pra conseguir cuidar dela melhor. O desenho lá, rolando. Mais um tempinho e ela entra gritando novamente. perco a paciência de uma vez e grito em igual tom “CHEGA! eu só consigo cuidar de você se Márcia dormir direito! sai desse quarto AGORAA!”. na mesma hora me arrependo da grosseria e impaciência. Ela sai chorando, mas logo se acalma.
consigo botar a pequena na cama. pelas gargalhadas, percebo que Bel claramente desertou do prêmio jabuti pra assistir desenho com Tela
chego na sala e percebo que, apesar da caligrafia impecável e da ortografia impressionante, ela não fez nem a metade da tarefa e largou tudo em cima da mesa.
milagrosamente, Tela melhorou da tosse. demora até a notar minha presença, mas é só eu sentar ao seu lado que ela começa a querer chorar e tossir novamente. e pensar que, 20 minutos atrás, eu estava seriamente cogitando a possibilidade de levá-la ao hospital, ao invés da escola.
das poucas coisas que me tiram dos eixos: filha doente e briga entre irmãs. Demoro mais vinte minutos para me recompor do cansaço mental.
Tudo parece voltar ao seu estado normal, para o padrão daqui de casa. mas agora só tenho dez minutos para fazer o almoço e botar eles pra se arrrumarem. mudanças de menu: vai ser paçoca de carne seca com banana, que é o que dá tempo.
e, paciência, para não chegarmos atrasados na escola.
Como eu dei conta? eu sobrevivi, improvisei, surtei e nunca me arrependi. Abri mão de mil planos, fiz concessões o tempo todo e ignorei um monte de coisas que são capazes de deixar completamente doido qualquer um que não tenha filhos. Isso é o que eu fiz. o que eu tenho certeza de que boa parte das mães faz e passa diariamente.
A gente tem que aprender a se cobrar menos, a ceder mais e a entender que, por mais caóticos que os dias sejam, no final dá tudo certo. Ainda que esse dia não esteja nem na metade. Ainda que Tela passe a noite tossindo ou mesmo que vá parar no hospital. No fim dá certo sim e é nisso que a gente precisa focar. ou acreditar, sei lá.
Estamos juntas nessa jornada intensa, quer você tenha um, dois, vinte filhos. mesmo que a gente nunca tenha se visto nem nunca se veja. é esse fio invisível da maternidade e da empatia que nos conecta.
Agora chega de papo que eu tenho carne para torrar , boiada pra tocar até deixar todo mundo na escola e começar minha segunda jornada de trabalho.
Salvador,1987
Maria Tecina