AYRTON SENNA, 25 ANOS


 
O presente texto foi escrito em 04 de maio de 1994, três dias após a morte de Senna


        Um país órfão de tudo chora seu mito. A Sociologia nem teoria alguma podem explicar plenamente essa dor. É inútil se falar em poder dos meios de comunicação, em manipulação do imaginário, em possíveis usos políticos, ou no que quer que seja desse teor. A realidade imediatamente visível explode os compartimentos teóricos.   
        O visível: no dia seguinte, mensagens espontâneas de saudade em redações escolares, um menino de três anos que recusa o alimento, a garotinha de dois perguntando ao pai o que é morrer (...); no dia fatídico, pessoas desenham com seus corpos a imagem de um coração, enquanto passa o cortejo fúnebre; o trem do metrô diminui a marcha, guardas choram, vê-se o rosto contraído de um piloto de avião, em terra, não acreditando (...). Imagens de uma única dor em múltiplas faces, dor cujas razões tocam, de repente, o mais fundo espanto do se estar no mundo: a presença-espectro da face da morte.
        Um carro voa e em segundos se faz em pedaços diante das telas da aldeia global. Uma enorme mancha de sangue, o sangue de um homem jovem. De repente morto. Herói e símbolo. Morto. De repente, mito. Homens e mulheres e adolescentes e crianças, no Brasil, no mundo, carpindo essa morte. Como em tempos míticos. A maioria das pessoas não sabe de que subterrâneos lhe vem tal sentimento de perda, mas, intui.
       O herói se foi, ficou o mito. Penso nos milhares outros, como nós outros, que se vão, todos os dias, como se nunca tivessem existido. Só existiram para os seus seres íntimos e para alguns mais ou menos próximos. Quantos desses mortos não terão despedida de ninguém, mas, isso são outras histórias.
        Do herói, desse Ayrton Senna de repente mito, nos despedimos, com adeuses longos, e continuamos, vivos e precários. Nesses momentos é como se o conforto de uma brisa de eternidade nos tocasse a face com a sua mesma para sempre repetida indecifrável mensagem.



 
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