Scarlett
Hoje, minha Scarlett, minha pretinha com branco, meu dengo, que derruba minhas coisas à noite e não me deixa dormir, que some com minhas meias e que faz habilidades com a bolinha de plástico com maestria e malabarismo, que caça batatas e lagartixas com um fervor felino, está completando um ano de vida ao meu lado. Quando a encontrei, em frente ao Centro de Múltiplas Funções, aqui na Estrutural, numa sexta à tarde, por volta das 15:00 horas, confesso que tentei ignorar. Eu a vi em meio a um entulho de lixo, miando, miando muito. Andei alguns passos e pensei comigo: - Não se envolva Diego, você tá passando aperto, mal tá conseguindo se sustentar! Continuei à andar, dei mais uns três ou quatro passos firmes e tornei à ouvir seus miados, de sonoridade alta para o tamanho dela. Talvez sentindo falta da mãe, talvez fome; ou os dois juntos. Quer saber, FODA-SE! Pensei comigo mesmo. Fui até ela e a vi, tão miudinha, suja, com os olhinhos fechados e cheios de remelas, andando à própria sorte. Mais um pouco e ela poderia ir pra rua e morrer esmagada por um carro ou ônibus, porque o trânsito em frente ao Centro de Múltiplas Funções é extenso. E o que mais me deixou puto: muitos estavam ali, passando, vendo o desespero, o pedido de socorro de tal ser tão puro e perdido, e nada faziam. Peguei ela, ignorei meu destino e fui até o supermercado Tend Tudo, que fica logo mais a frente do local onde a encontrei. Lembro exatamente que eu tinha dez reais no bolso. Meu único dinheiro. Comprei uma caixa de leite e mais adiante fui na padaria que fica na mesma rua e consegui um copinho descartável (comprei dois reais de pão de queijo, pra dar aquela força, nem estava em meus planos). A dona da padaria, comovida, cortou o copo em uma extensão que desse para ela alcançar o leite e beber. Depois de todo esse procedimento, coloquei à Scarlett em frente ao copo já cortado, com leite dentro. Ao sentir o cheiro gostoso de leite, ela começou à tomá-lo e devorou todo o líquido ali existente. É sério, ela secou o copinho. Depois disso, ela, ainda com os olhinhos cheio de remelas, levantou sua cabecinha em direção ao meu rosto e miou. Miou uma única vez. Pode ter sido apenas um mero miado, mas eu entendi "PAI". A partir daquele momento me encantei por ela. Decidi que aos trancos e barrancos iria cuidar dela. Foi a primeira de seis gatos que resgatei das ruas no ano de 2018. Destas seis, uma eu consegui doar para uma família (quando estava comigo eu a chamava de Miaudita II), três morreram devido ao estado em que eu as encontrei (teve um que não chegou a durar 24 horas comigo; parece até que só tava esperando alguém o encontrar para partir, e ainda peguei dinheiro emprestado para comprar remédios - por sinal, ainda estou devendo essa pessoa - ; eu tinha conseguido ajuda de pessoas lá do Gama, mas infelizmente o bichano não resistiu à tempo. Como eu estava no perrengo, acabei usando a grana pra comprar ração para as outras filhotas e pra comprar remédios pra mim também, já que eu estava numa gripe forte do caramba; os outros dois que morreram eram filhotes; alimentei, dei banho quentinho, os acolhi numa caixinha confortável e ventilada ao mesmo tempo. Parecia que iriam sobreviver, mas não. O destino foi cruel. Uma morreu enquanto eu dormia, acordei cedo pra dar leite e a encontrei sem vida; a outra morreu enquanto eu estive fora, quando cheguei, também já tinha partido. Meu... dói demais! A morte de um animal para mim é tão dolorosa quanto à morte de um ser humano). E tem a Princesa, que já veio até minhas mãos adulta. Ela já sabe o que faz e é independente. Tão independente que passa o dia em casa dormindo e de noite vai dar seus rolês. Literalmente ela só vem aqui pra comer e hibernar. Já tentei prendé-la, mas ela sempre escapa. Enfim... só espero que ela não morra com comida envenenada de vizinhos cruéis e que não fique grávida (e se ficar, cuidarei dela assim mesmo). Mas felizmente, a Scarlett tá aqui comigo, crescida e forte. E por incrível que pareça, ela não sai de casa, passa o dia dormindo, de noite brinca e caça aqui mesmo, dentro do meu apezinho e no quintal, e quando se cansa, sobe na minha cama e dorme comigo. Todas as noites é assim. Ela nem beira os muros. Tem medo. Quando ousou ir para cima do telhado, levou uma carreira de um gato mais velho e a partir de então passou à ficar só dentro de seus domínios. E não é qualquer um que consegue pegá-la no colo, pois ela é sistemática e espinhada. Enfim... parabéns pra ti, minha pretinha! Que você viva ao meu lado por pelo menos uns vinte anos. Pelo menos!!!