Inesquecíveis - A Bachan
Batchan quer dizer avó em japonês, e no caso era minha sogra, Dona Shizuko. Em 5/2/2019, ela completaria 101 anos. Chegou muito perto, faleceu aos 97 anos de idade. Ela era chamada de bachan porque, como teve 8 filhos, teve mais netos do que ela podia lembrar o nome, e todos eles e agregados a chamavam assim.
Se eu conheci alguém que a vida daria um livro, foi ela. Nasceu no Japão, na provïncia de Aiti-ken e veio como imigrante para o Brasil, com apenas 19 anos, de navio, com uma tia e deixando mãe e pai no seu país, os quais nunca voltou a ver. Durante a viagem, os familiares decidiram que deveria se casar com um até então desconhecido. Na época, os casamentos eram assim, por indicação e não por decisão.
Aqueles que não conheceram imigrantes japoneses, não imaginam a dificuldade de suas vidas. Vou dar uma ideia, pelo pouco que sei. A Batchan foi morar no interior de São Paulo. Não conheciam a língua, eram extremamente pobres, a comunicação com o Japão era apenas por carta e com a guerra mundial, pouco após sua viagem para o Brasil, sofreram enorme discriminação, eram vistos como inimigos.
A Batchan teve todos seus filhos em casa, em partos feitos pelo meu sogro. Uma das crianças nasceu morta. A vida era extremamente difícil, os filhos trabalhavam desde pequenos na roça, ela cuidava dos menores e cozinhava. Mudavam com frequência, sempre atrás de fazendas onde pagassem melhor ou onde pudessem arrendar terras. Por vezes, a família teve de se separar para trabalhar em diferentes locais. Minha cunhada, com 12 anos foi para uma fazenda para cozinhar para os irmãos.
Com o tempo, o filho mais velho, o Nichan, veio para São Paulo estudar e os outros foram vindo também. Minha esposa, que a Batchan teve aos 44 anos, foi a única que não trabalhou na roça.
Conheci Dona Shizuko já com mais de 70 anos, morava com minha esposa e um filho, meu sogro já era falecido. Ela tinha grande dificuldade para falar português e já não escutava perfeitamente, então falava pouco comigo, não se sentia tão à vontade. Era muito simpática, sempre que eu chegava ela colocava a TV no futebol ou vôlei e ia fazer pipocas, uma bacia cheia que eu sempre comia. Quando eu saia, sempre falava, “Toma cuidado, Paulo San”.
Sua vida era cuidar de sua casa, cozinhar e cultivar plantas, que ela adorava. Todo final de ano, ela fazia um almoço com toda a família, ela curtia bem uma festa. Às vezes, os filhos à levavam viajar, também gostava muito. Ela era bem independente, depois que minha esposa e o irmão saíram de casa, morou sozinha até mais de 80 anos. Nessa época, o Nichan levava ela caminhar todo dia de manhã, um hábito que cultivou até o fim da vida, e lhe dava uma disposição admirável.
Com mais idade, houve um assalto em sua casa e os filhos decidiram que era melhor ela morar com um deles. Inicialmente, morou em nossa casa. Mesmo lá, era independente. Tinha um quarto com banheiro no térreo e todo dia de manhã ia caminhar logo depois do sol nascer, lembro com saudade de quando eu ia correr e ela já estava voltando “Bom dia, Paulo San”.
Depois, foi morar com outra filha em Guarulhos e viveu seus últimos anos em Avaré com outra cunhada. Ela ficava sempre em seu quarto, assistindo TV, inicialmente a NHK, o canal japonês, depois preferia a Band, em especial o Datena. As caminhadas de manhã com meu cunhado e a TV eram suas diversões. Se a televisão quebrava, ficava ansiosa “chama técnico, eu paga”. Quando encontrava os netos, sempre dizia "estuda, né".
Mesmo com mais de 90 anos, a Bachan queria ser útil. Fazia questão de lavar sua louça e ficava fazendo tapetes de tricô, em grande quantidade, para vender numa associação espírita, onde ia sempre que podia, fez isso até seus últimos dias.
Essas são algumas das lembranças que tenho, que compartilho com vocês, como um presente a ela, no ano em que completaria seus 101 anos. Eu não creio que haja outra vida, mas que parte de nós continua a existir enquanto houver quem lembre da gente no mundo, quem sabe relembrar as histórias faça quem a conheceu celebrar essa vida incrível que ela teve.
Batchan quer dizer avó em japonês, e no caso era minha sogra, Dona Shizuko. Em 5/2/2019, ela completaria 101 anos. Chegou muito perto, faleceu aos 97 anos de idade. Ela era chamada de bachan porque, como teve 8 filhos, teve mais netos do que ela podia lembrar o nome, e todos eles e agregados a chamavam assim.
Se eu conheci alguém que a vida daria um livro, foi ela. Nasceu no Japão, na provïncia de Aiti-ken e veio como imigrante para o Brasil, com apenas 19 anos, de navio, com uma tia e deixando mãe e pai no seu país, os quais nunca voltou a ver. Durante a viagem, os familiares decidiram que deveria se casar com um até então desconhecido. Na época, os casamentos eram assim, por indicação e não por decisão.
Aqueles que não conheceram imigrantes japoneses, não imaginam a dificuldade de suas vidas. Vou dar uma ideia, pelo pouco que sei. A Batchan foi morar no interior de São Paulo. Não conheciam a língua, eram extremamente pobres, a comunicação com o Japão era apenas por carta e com a guerra mundial, pouco após sua viagem para o Brasil, sofreram enorme discriminação, eram vistos como inimigos.
A Batchan teve todos seus filhos em casa, em partos feitos pelo meu sogro. Uma das crianças nasceu morta. A vida era extremamente difícil, os filhos trabalhavam desde pequenos na roça, ela cuidava dos menores e cozinhava. Mudavam com frequência, sempre atrás de fazendas onde pagassem melhor ou onde pudessem arrendar terras. Por vezes, a família teve de se separar para trabalhar em diferentes locais. Minha cunhada, com 12 anos foi para uma fazenda para cozinhar para os irmãos.
Com o tempo, o filho mais velho, o Nichan, veio para São Paulo estudar e os outros foram vindo também. Minha esposa, que a Batchan teve aos 44 anos, foi a única que não trabalhou na roça.
Conheci Dona Shizuko já com mais de 70 anos, morava com minha esposa e um filho, meu sogro já era falecido. Ela tinha grande dificuldade para falar português e já não escutava perfeitamente, então falava pouco comigo, não se sentia tão à vontade. Era muito simpática, sempre que eu chegava ela colocava a TV no futebol ou vôlei e ia fazer pipocas, uma bacia cheia que eu sempre comia. Quando eu saia, sempre falava, “Toma cuidado, Paulo San”.
Sua vida era cuidar de sua casa, cozinhar e cultivar plantas, que ela adorava. Todo final de ano, ela fazia um almoço com toda a família, ela curtia bem uma festa. Às vezes, os filhos à levavam viajar, também gostava muito. Ela era bem independente, depois que minha esposa e o irmão saíram de casa, morou sozinha até mais de 80 anos. Nessa época, o Nichan levava ela caminhar todo dia de manhã, um hábito que cultivou até o fim da vida, e lhe dava uma disposição admirável.
Com mais idade, houve um assalto em sua casa e os filhos decidiram que era melhor ela morar com um deles. Inicialmente, morou em nossa casa. Mesmo lá, era independente. Tinha um quarto com banheiro no térreo e todo dia de manhã ia caminhar logo depois do sol nascer, lembro com saudade de quando eu ia correr e ela já estava voltando “Bom dia, Paulo San”.
Depois, foi morar com outra filha em Guarulhos e viveu seus últimos anos em Avaré com outra cunhada. Ela ficava sempre em seu quarto, assistindo TV, inicialmente a NHK, o canal japonês, depois preferia a Band, em especial o Datena. As caminhadas de manhã com meu cunhado e a TV eram suas diversões. Se a televisão quebrava, ficava ansiosa “chama técnico, eu paga”. Quando encontrava os netos, sempre dizia "estuda, né".
Mesmo com mais de 90 anos, a Bachan queria ser útil. Fazia questão de lavar sua louça e ficava fazendo tapetes de tricô, em grande quantidade, para vender numa associação espírita, onde ia sempre que podia, fez isso até seus últimos dias.
Essas são algumas das lembranças que tenho, que compartilho com vocês, como um presente a ela, no ano em que completaria seus 101 anos. Eu não creio que haja outra vida, mas que parte de nós continua a existir enquanto houver quem lembre da gente no mundo, quem sabe relembrar as histórias faça quem a conheceu celebrar essa vida incrível que ela teve.