Lendo Sonetos Do Vinicius De Moraes

Vinicius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 — Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980), foi um poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor brasileiro.

Poeta essencialmente lírico, o que lhe renderia o apelido "poetinha", que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida e suas esposas foram, respectivamente: Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues Santamaria (a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso.

Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Ainda assim, sempre considerou que a poesia foi sua primeira e maior vocação, e que toda sua atividade artística deriva do fato de ser poeta. No campo musical, o poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.

Segue abaixo alguns de seus sonetos mais famosos

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado

Tantas retaliações, tanto perigo

Eis que ressurge noutro o velho amigo

Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado

Com olhos que contêm o olhar antigo

Sempre comigo um pouco atribulado

E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano

Sabendo se mover e comover

E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica

Que só se vai ao ver outro nascer

E o espelho de minha alma multiplica...

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

SONETO DO MAIOR AMOR

Maior amor nem mais estranho existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

E quando a sente alegre, fica triste

E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste

O amado coração, e que se agrada

Mais da eterna aventura em que persiste

Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere

E quando fere vibra, mas prefere

Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante

Desassombrado, doido, delirante

Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Soneto a quatro mãos

Tudo de amor que existe em mim foi dado

Tudo que fala em mim de amor foi dito

Do nada em mim o amor fez o infinito

Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado

Tão fácil para amar fiquei proscrito

Cada voto que fiz ergueu-se em grito

Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse

Nesse meu pobre coração humano

Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano

Melhor fora que desse e recebesse

Para viver da vida o amor sem dano.

Soneto da Mulher ao Sol

Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo

Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz

A flor dos lábios entreaberta para o beijo

A pele a fulgurar todo o pólen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso

Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso

O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso

À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce

Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente

E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente

Me busque novamente - e se deixes a dormir

Quando, pacificado, eu tiver de partir...

Soneto da Desesperança

De não poder viver sua esperança

Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho

Secreto, onde ao sabor do seu capricho

Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados

De não mostrá-la ao mundo, que a queria

Que por zelo demais, ficaram um dia

Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciúmes dela

Tão grande a dor de não poder vivê-la,

Que em desespero, resolveu-se: - Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho

Uma noite subiu até o nicho

E abriu o coração diante da estátua.

Soneto de aniversário

Passem-se dias, horas, meses, anos

Amadureçam as ilusões da vida

Prossiga ela sempre dividida

Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envelhecida

Diminuam os bens, cresçam os danos

Vença o ideal de andar caminhos planos

Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura

À medida que a têmpora embranquece

E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...

Que grande é este amor meu de criatura

Que vê envelhecer e não envelhece.

Soneto de Véspera

Quando chegares e eu te vir chorando

De tanto te esperar, que te direi?

E da angústia de amar-te, te esperando

Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei

Para esquecer o que vivi lembrando

E que farei da antiga mágoa quando

Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa

Pelo martírio da memória imensa

Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena

Atenta ao meu apelo e à minha pena

E que quisera nunca mais perdida...

SONETO DE CONTRIÇÃO

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto

Que o meu peito me dói como em doença

E quanto mais me seja a dor intensa

Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto

Ante o mistério da amplidão suspensa

Meu coração é um vago de acalanto

Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade

Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade

Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.

Soneto do Amor como um Rio

Este infinito amor de um ano faz

Que é maior que o tempo e do que tudo

Este amor que é real, e que, contudo

Eu já não cria que existisse mais.

Este amor que surgiu insuspeitado

E que dentro do drama fez-se em paz

Este amor que é o túmulo onde jaz

Meu corpo para sempre sepultado.

Este amor meu é como um rio; um rio

Noturno, interminável e tardio

A deslizar macio pelo ermo

E que em seu curso sideral me leva

Iluminado de paixão na treva

Para o espaço sem fim de um mar sem termo.

Soneto do amor demais

Não, já não amo mais os passarinhos

A quem, triste, contei tanto segredo

Nem amo as flores despertadas cedo

Pelo vento orvalhado dos caminhos.

Não amo mais as sombras do arvoredo

Em seu suave entardecer de ninhos

Nem amo receber outros carinhos

E até de amar a vida tenho medo.

Tenho medo de amar o que de cada

Coisa que der resulte empobrecida

A paixão do que se der à coisa amada

E que não sofra por desmerecida

Aquela que me deu tudo na vida

E que de mim só quer amor - mais nada.

QUARTO SONETO DE MEDITAÇÃO

Apavorado acordo, em treva. O luar

É como o espectro do meu sonho em mim

E sem destino, e louco, sou o mar

Patético, sonâmbulo e sem fim.

Desço na noite, envolto em sono; e os braços

Como ímãs, atraio o firmamento

Enquanto os bruxos, velhos e devassos

Assoviam de mim na voz do vento.

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe

Sem dimensão e sem razão me leva

Para o silêncio onde o Silêncio dorme

Enorme. E como o mar dentro da treva

Num constante arremesso largo e aflito

Eu me espedaço em vão contra o infinito.

Soneto Sentimental à Cidade de São Paulo

Ó cidade tão lírica e tão fria!

Mercenária, que importa - basta! - importa

Que à noite, quando te repousas morta

Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia

Amo-te quando a neblina te transporta

Nesse momento, amante, abres-me a porta

E eu te possuo nua e frígida.

Sinto como a tua íris fosforeja

Entre um poema, um riso e uma cerveja

E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera

Se a poesia é tua, e em cada mesa

Há um pecador morrendo de beleza?

Vinicius de Moraes
Enviado por Vinicius Moratta em 10/01/2019
Código do texto: T6547910
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