Uma Cruz à beira do caminho

(Uma homenagem à Francisco de Assis, morto no dia 12 de março de 2013, na cidade de Currais Novos-RN, e em memória de todos os motociclistas mortos nas estradas)

Acordei cedo naquela manhã. Era um domingo de aspecto sem graça. Amarrei minha mochila no bagageiro da moto. Mal tomei o desjejum... Queria chegar logo em casa, pois ainda tinha por quem voltar... Despedi-me dos amigos, como de costume, e arranquei. A poucos quilômetros dali, teria um encontro com o destino. “O que então esperar para si mesmo, quando os melhores sofrem calamidades horríveis?”

A cada troca de marcha, as imagens ficavam para trás. Os segundos vencidos eram prenúncios. Não sei bem o que aconteceu... Foi tudo tão rápido. O certo é que morri naquela curva. Porém, não há culpados. Sêneca diz que: “A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é, e o que há de ser. Destes o que vivemos é breve, o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos certo, mas irrevogável. Contra essa última a fortuna perdeu todos os seus direitos, já que não consegue que seu arbítrio possa recuperá-la”.

Meu corpo envolto num pano qualquer, sob os olhares perplexos dos que passavam na rodovia. Nada mais podia ser feito. No entanto, aquelas preces silenciosas aliviavam meu sofrimento - Que já não era de dor. De que valem os anos? Difícil saber a quem eu fiz feliz. Pedir perdão agora é muito cômodo. Vocês, pelo menos, ainda têm a si mesmos por testemunhas. Eu não tenho mais nada. “Não é que temos tempo exíguo. O problema e que perdemos muito dele”.

Mesmo sabendo ser difícil, a morte é o melhor dos planos. Queria ter tido a chance de me despedir deste mundo, embora sempre nos ofereça as suas figuras paradisíacas e de engodo. “Então, agora, enquanto sentes o calor de teu sangue, que teu viver volte-se para essas realidades deslumbrantes”.

Que cada um de vocês carregue no colete, no brasão ou na bandeira, quiçá no coração, um símbolo de luto eterno, em respeito aos que se vão primeiro. Pois, “Os mortos revivem na medida em que se fazem presentes na lembrança e na saudade dos amigos”.

Quem dera os nossos encontros servissem também de retiro espiritual, para entendermos os desígnios de Deus. Assim, tocados, imagino, teríamos mais prudência. O que mais mata é achar que não vai acontecer conosco. Agora sou apenas uma cruz à beira do caminho “na serena tranqüilidade da natureza”.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 08/12/2018
Reeditado em 23/03/2019
Código do texto: T6522333
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