Boa noite, mamãe *

Todo o dia quando eu acordo, me levanto inquieto com uma frase que insiste em martelar meu pensamento, a frase do antropólogo americano Clifford Geertz “Todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas no fim terminamos tendo vivido uma só”. Essa frase me assombra, causa em mim disrupção, me desperta, me altera os sentidos, me perturba, essa frase me tira da zona de conforto, me causa repulsa e ânsia de mudança.

Eu me recuso a persistir na ideia fútil, banal, simplista e rotineira de uma só vida, quando na verdade eu posso ter mil formas de viver, mil nomes para usar, mil novas chances, mil probabilidades, mil sonhos para realizar, mil religiões para conhecer, mil pensamentos distintos me esperam todos os dias para eu usufrui-los em um só ser. Mil ventos podem me levar. Nós seres humanos podemos nos dar o luxo de sermos colchas de retalhos, preconcepções, assim formados por mil experiências e viezes... Mas quem se contenta apenas com o necessário termina vivendo apenas uma vida. A vida é muito curta para que eu a torne pequena e a diminua com infinitos automatismos diários.

Eugene Delacroix dizia que o mais belo triunfo do escritor é fazer pensar aos que ainda pensam, então pensem comigo: somos seres que se cercam de descobertas a todo instante, como quando Vatsyayana ensinou 30 formas de beijos diferentes no kama sutra, ou como quando Stephan Farffler criou o veículo precursor da primeira cadeira de rodas em 1649, ou como quando Timóstenes criou a Rosa dos Ventos, ou como quando Ciril Demian criou o acordeon em Viena em 1829, ou ainda como quando Johann Bernoulli descobriu que tudo vibra ao nosso redor como a mais simples corda de um violino sendo a curva do seno na equação de ondas, ainda tem a bomba de vácuo produzida por Otto Von Guericke.

Talvez o maior edema da alma do homem seja seu pragmatismo, a maior miíase da alma do homem é sua forma de estacionar sua vida no ponto confortável e se privar de novas experiências, as pessoas tem dificuldade de se abrir a novos mundos, novas performances, um novo jeito de viver algo que refrigere sua idade e rejuvenesça.

A humanidade tem até um certo medo do desconhecido, é natural ser entalado no medo de progredir, mas há uma necessidade de se arriscar nos dias de hoje, é preciso se entregar, no sentido mais amplo, é preciso mudança de hábitos, de pensamento, no mundo que estamos é preciso conhecer outro idioma corporal, outro toque, outros verbos, sair da rotina é o estimulo para viver mais de uma vida.

Podemos entender de vários assuntos e temas sem precisar deixar de lado o que acreditamos purística e dogmaticamente. Não é preciso ser cristão para entender de Deus, assim como não é preciso ter uma vagina para conhecer e entender uma melhor até mesmo que uma mulher, os ginecologistas são a prova disso.

A mestra Zen, Joko Beck dizia que nós tendemos a correr ao longo da vida tentando evitar tudo o que nos fere ou desagrada, percebendo os objetos, pessoas ou situações que acreditamos que nos darão prazer ou dor, evitando um e procurando o outro, mas que tal se parássemos de evitar e apenas desfrutássemos de todos os aspectos ?

Arrisque, procure o novo, não se detenha na busca por algo que faça cada átomo do seu corpo tremer, resignifique, viole o comodismo, tenha apetite por mais, por viver mais, se aventure, tenha sede de ir além, não deixe a vida te dar um “Boa noite, mamãe”* sem antes você ter vivido algo especial que tenha valido a pena e que seja seu legado...

"Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida" (PLATÃO)

*Boa noite mamãe era conhecido como o coquetel letal para os condenados à pena de morte, as injeções letais de Tiopentato de Sódio, Brometo de Pancurônio e Cloreto de Potássio.

Eden Mendes
Enviado por Eden Mendes em 30/10/2018
Reeditado em 06/10/2020
Código do texto: T6490437
Classificação de conteúdo: seguro