HOMENAGEM À ESCRITORA ANA MARLY DE OLIVEIRA JACOBINO

HOMENAGEM À ANA MARLY DE OLIVEIRA JACOBINO

Carlos Roberto Furlan

O meu amor, o meu amor, Maria,

É como um fio telegráfico da estrada

Aonde vem pousar as andorinhas...

De vez em quando chega uma.

E canta (não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)

Canta e vai-se embora

Outra, nem isso, mal chega, vai-se embora.

A última que passou limitou-se a fazer cocô no meu pobre fio de vida!

No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:

As andorinhas é que mudam.

O inspirado autor dessa maravilha é o nosso querido Mario Quintana – esse pioneiro da poesia moderna era um dos poetas brasileiros prediletos de Ana Marly.

Nós, que tivemos o privilégio de conviver com ela sabemos, muito bem, que nela pulsava a força do amor. Cada sarau se renovava no próximo com o mesmo amor, com o mesmo entusiasmo, sempre vestida com as cores da alegria, não só usada para abrir as portas de cada edição, como também para enfrentar qualquer complexidade da vida, no espelho da existência.

O amor ao sarau alojou-se no seu DNA. Sempre revelando uma experiência de beleza, a cadência dos saraus era o seu alimento, carregando sonhos, fazendo o tempo correr ao contrário, com uma só premissa: alcançar um lugar além da tristeza. Por isso sempre celebrava a vida, exaltando tudo o que fizesse de suas crenças e esperanças, o combustível ideal para seguir viagem. Apesar de tudo!

Ao ser chamada, ao longo da vida, a enfrentar inúmeros desafios, a ultrapassar enormes obstáculos, sempre o fez com um sorriso, marca indelével do seu modo de viver e enxergar o mundo ao seu redor. Ah, como trago, na memória dos meus olhos, o seu rosto sorrindo, me perguntando: E aí maestro, que músicas vamos fazer?

Para ela sempre havia uma poesia ou uma música capaz de dialogar conosco, com a nossa sensibilidade.

Para ela sempre era preciso cantar mais, ler mais, fazer poesias, contar ou ouvir uma história – essas eram as suas armas na hora de enfrentar tempos bicudos. Aprendeu com Monteiro Lobato que “um país se faz com homens e livros” – por isso não houve um sarau sequer que não terminasse com sorteios de livros e livros e mais livros.

Assim eram os nossos saraus - sempre simbolizando a possibilidade de reunir diferentes olhares sobre a poesia, a música, o teatro, a dança, a literatura... A somatória dessas partes não tinha outro resultado senão levar cada participante a construir a sua própria imagem no caleidoscópio da vida.

Assim eram os nossos saraus – sempre angariados a custo de muito preparo, espera, maturação, feito um bom queijo ou um vinho, sempre refazendo a rota que desperta a imaginação, trazendo o dia a dia dos homens e das coisas, percorrendo todos os caminhos daquilo que é nosso, que não se deseja perder, mas antes legar aos vindouros.

A nossa memória sempre seguirá guardando essas imagens, palavras e gestos que ficarão retidos nos olhos, nos ouvidos e nos nossos corações.

Por tudo isso, Ana Marly vive hoje, como ontem, não só nas nossas lembranças, como também no seu XV, time que tanto amou e na Piracicaba que registra, com orgulho, as marcas dos passos dessa “caipiracicabana” que sempre viveu em cumplicidade com a arte , porque compreendeu, tão bem, que “a medida do amor é sempre amar sem medidas”.

Não temos a veleidade de pensar que alguém possa vir a ocupar o lugar que apenas a Ana Marly de Oliveira Jacobino pertence – e vai continuar a pertencer. Para sempre!

E, por isso, não quero vestir de luto as cordas do meu violão. Ao contrário: que possamos trazer, sempre, as músicas e poesias que falem do amor, das flores e jardins, dos livros e saraus... A nós caberá juntar o coração, a alma e, até mesmo, o sabor dos pãezinhos quentes, nascidos lá no seu forno à lenha e deixar que o pensamento, num tropel, invada esse nosso espaço, esse nosso refúgio, até que acenda-se uma estrela nessa nossa paisagem. Aí ouviremos, juntos, a voz do vento chamando pelo seu nome. (20/10/18)