JOÃO, MEU PAI BIOLÓGICO!
Durante o tempo da minha adolescência eu o odiei... do fundo do meu coração!
Anos 50, 60, 70... foram anos dificeis para mim. Tão dificeis que por três vezes tentei dar cabo da minha existência que pesava e machucava como um madeiro construido do espinho mais cruel... e estava cravado em minhas costas, perfurando e rasgando fundo a Minha Alma.
Quando completei 12 anos descobri que meu pai não havia morrido... havia me rejeitado. Contaram-me que ele disse para Minha Mãe que só gostaria de criar o filho, se fosse um menino.
Sendo uma menina, ela criasse ou desse a quem quisesse criar. Ele não queria.
O mais cruel de tudo, ele ousou me dar um nome, caso fosse uma menina. Escolheu dois nomes: Creuza ou Solange. Durante 12 anos fui chamada de Creuza... e eu nunca desconfiei.
Fui vitimada por uma doença séria. Ninguém conseguia descobrir por que eu sempre estava com febre, e desmaiando nos lugares mais diversos: na escola, na rua, na capela! Um dia essa febre subiu tanto que me parece entrei em um quadro de inanição tal, que quase me enterraram, pensando que eu havia morrido.
Lembro de coisas estranhas que me pareciam um sonho bom... durante esse entretempo em que fiquei como morta.
Na época, eu era coroinha da pequena capela do vilarejo onde morava e era semi interna no Orfanto.
Era também orientadora de várias pessoas que não podiam frequentar a escola durante o dia. Orientava-os sob a luz de lampiões. Foi um tempo mágico.
Bom, retornando ao assunto, sei que Frei Gabriel* conseguiu me trazer de volta. Ao abri os olhos vi que estava enfeitada com rosas brancas, cravos, bogaris... coberta com com um longo véu, e ladeada pelos candelabros da capela, com velas acesas.
Meus alunos oravam e choravam. Minha Mãe chorava e só dizia: "____Ô Minha Filha... Minha Filha!"
Foi a única pessoa, fora Frei Gabriel*, que ficou dentro do quarto quando acordei e me sentei na cama.
O sacerdote conversou com minha mãe. Pediu que nunca mais me chamasse por um nome que não era o meu. Explicou que o Meu Espirito se ausentava e por esse motivo eu caia desmaiada. Creuza, disse ele, era uma princesa, filha de um rei, e que havia sido assassinada pela amante do seu noivo.
Perguntou quem havia me posto esse pseudônimo, já que meu nome de batismo era Francisca de Assis? Minha Mãe contou que foi o meu pai... ele gostava de romance de cordel (ler e escrever) e sempre lia uma história sobre uma princesa muito bonita, e que se um dia tivesse uma filha, seu nome seria Creuza.
Bom, a história é longa.
O que quero mesmo, nesse momento, é apenas lembrar que consegui me libertar do ódio que sentia desse pai que se me afigurava um covarde, por todo o sofrimento que passei, por ser filha de mãe solteira e sem um pai pra me defender dos achincalhes, dos ataques e das ameaças das pessoas.
Por ver Minha Mãe lutar, trabalhando sozinha, na roça, e me defender com a garra de uma onça parida, quando alguém se metia a besta comigo.
Deus, como odiei esse homem!
Mas um dia Minha Mãe me chamou e contou uma história que foi pouco a pouco arrefecendo o sentimento maldito. E, mesmo não desejando conhece-lo, aprendi a admira-lo. Sua história era tudo que eu precisava para me localizar no tempo e no espaço. Adquiri segurança como ser humano e social.
Ela me contou sobre a garra daquele menino que cresceu e se tornou meu pai... "por uma obra do acaso". Herdei sua marca registrada: gostar de estudar, ler e escrever. Ser uma sonhadora acordada. Escrever poemas e histórias. Mas acima de tudo, nunca desistir de estudar, de aprender sempre mais... com uma sede insaciavel de saber!
Minhas Filhas e Netas herdaram essa Marca também.
Se hoje eu o encontrasse, por "uma obra do acaso", lhe diria apenas que a coisa mais dificil que experimentei com a sua omissão foi me perdoar pelo ódio que senti de você. Agora estou livre e leve, graças a Deus. Sei que a sua época e a cultura na qual você foi criado, não lhe culpou pelo abandono. Eu culpei. Mas eu não sou Deus e em contrapartida me perdoei por julgar você.
Se estiver ainda entre os Caminhantes da Mãe Terra, Feliz dia dos Pais!
Se não está mais entre nós, Deus lhe abençoe!
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PS: olhando sua foto, imagino por que a Minha Mãe, a pequenina e azogada Analia se encantou por você. Não herdei sua beleza exotica, mas herdei o seu Dom mais Precioso: o AMOR PELOS ESTUDOS! Estudos que você conseguiu a custa de muito sacrifício, persistência e ousadia, as mesmas coisas que me movem, sempre em busca do conhecimento.