Filantropia
Da última vez, introduzi minha “homenagem” destacando o quão difícil é encontrar pessoas que valham a pena em meio à multidão. Afinal, espécie rara e em extinção, escondem-se em algum lugar dos quase 8 bilhões de seres humanos que habitam este planeta, indicativo de que quantidade nunca foi e nem será espelho de qualidade; estão mais para dimensões inversamente proporcionais da realidade, no caso. Falando em pares de oposto, aliás, hoje estou aqui não para atacar ou condenar a humanidade, mas sim para defende-la e absolve-la. Faço isso, num primeiro momento, pensando nas poucas, mas reais pessoas que valem a pena.
Gente que te coloca pra cima, revigora, ajuda e ilumina. Claro que não o tempo todo – a perfeição é inalcançável aos reles mortais – mas na maior parte dele. Diria que atuam como faróis na imensa escuridão, servindo de guia e referência a nós, mormente nas marés de maior desolação, em que, por uma série de fatores, sentimo-nos fracos e debilitados, sem chão. A sabedoria popular nem sempre se mostra adequada, mas aqui a ratifico: é diante das piores adversidades que se vê quem está contigo. Quem se importa. Quem vale a pena. Quem é seu amigo.
Não acho que seja algo isolado, como a panaceia a todos os percalços, mas uma vida sem amigos é, de algum modo, uma vida incompleta. Precisamos um do outro, na medida em que vivemos em sociedade, e precisamos mais ainda daqueles capazes de nos levantar e reerguer diante do caos e turbulência imanentes à vida em comunidade. De certo modo, Rousseau estava certo quando asseverou a corrupção do homem pela civilização – é simplesmente impossível viver nela sem ser, em alguma medida, tolhido e destruído –, mas acho que isso não é tudo. Há uma outra faceta civilizatória que o suíço desconsiderou, e é ela que alço à categoria de fundamento das especulações aqui postas: a solidariedade.
Do mesmo modo que a humanidade tem condições de nos arruinar, ela reúne os pressupostos necessários para nos salvar. Pois, assim como há guerras, há ajuda humanitária, e os mesmos braços que servem para disparar contra alguém, suportando e direcionando armas, acabam por aconchegar um rosto em lágrimas, vez ou outra. Há uma beleza no ser humano, de modo geral, que eu não posso negar. Seria muito paranoico e pessimista se não a afirmasse, assim como ingênuo e idealista se me limitasse a ela – fato é que o ser humano simplesmente é, e as valorações que lhes são imputadas nunca conseguem mensurar toda a sua complexidade ontológica.
Em suma, se na última oportunidade, disse que procuraria um médico para encontrar meios de lidar com o autodiagnóstico de alergia a membros da espécie homo sapiens, agora vou mesmo correndo dar um abraço nos entes queridos, celebrando a dádiva que é ter alguém que te apoie e compreenda nos mais obscuros períodos. Então, sim, há pessoas que valem a pena. E um dos segredos para se viver bem, na minha modesta opinião, está em identifica-las e dar o seu melhor a elas, buscando tê-las por perto, mas sem aprisiona-las. Porque, ao mesmo tempo que ninguém é de ninguém, somos responsáveis por todo mundo, interligados num ciclo sem fim.