O Adeus a Falcão – Insígnia do tempo
20h e10min. Estava só no terraço de casa, vendo os relâmpagos que riscavam o céu naquela terça feira de março. O dia fora como qualquer outro... - Sem graça. Quase dois meses se passaram da morte de Falcão, do MC Lendas do Falcão, de Paulista-PE. Não fui para o evento de Afogados da Ingazeira, local onde aconteceu o nefasto episódio que o vitimou. Soube de seu falecimento pelo “correio da má noticia”. E hoje em dia, com o advento da internet, ele está muito mais veloz que outrora, tanto para propalar o óbito como o júbilo. Quiséramos, nós, termos tempo de nos despedir de nossos pares, quando chegada a hora da passagem... – Só, então, no inicio da noite já citada, fui tocado para escrever à respeito. Não é minha pretensão ser um papa-defunto, alguém que presta conta dos mortos; mas, sim, prestar uma homenagem, um testemunho, feito insígnia do tempo, para que os feitos dos homens de bem fiquem registrados nos anais da historia como aviso e prece. Sabemos que a morte redime os pecados. E por não ter predileção do jugo, arrisco: Falcão foi um amigo-motociclista - E ponto. Tivemos poucos momentos para conversar sobre o supérfluo, na condição de apenas espectadores desse mundo, é bem verdade. Porem, suficientes para notar que ele fora um bon vivant – Alguém que achava graça da vida... – E talvez por isso tenha morrido tão cedo. A vida é também madrasta, precisamos ter consciência disso antes de desafiá-la. Por que é contra a vida que lutamos e não contra a morte – adversária que não conhece derrota. Ver Margarida sem Falcão foi um choque – Como imaginar separados? E mais uma vez me resguardo a tentação do jugo – Ela tem a obrigação de continuar os dias... E temos que nos acostumar à ideia de um sem o outro. – Foi infarto, disseram. Foi não, digo. Foi a coragem de querer experimentar de tudo, principalmente do que é excesso: a liberdade, por exemplo. E quem a prova se reveste de exultação e poder. A vida regrada sugere longevidade, porém nos arrasta ao vale do Silício... – Tristeza após tristeza. A liberdade, não. Esta ignora o que é sofrimento e nos dá uma prescrição mais prazerosa, mesmo breve – Acredite, intensa - Da vida. E assim reafirmo o poeta Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa: - “É inútil tudo.” Pois bem, no evento seguinte ao de afogados, que tive oportunidade de participar, aconteceu-me algo estranho. Passei a reparar que cada um de nos ali, carregava consigo um pouco de Falcão. Talvez na fisionomia, nos trejeitos, no tom da voz, no som da gargalhada, na indumentária - mesmo tão peculiar... Era como se não precisássemos sentir tanto a sua ausência, pois ele estaria ali, representado, e em qualquer outra manifestação motociclística que houvesse, mesmo sem rito de lembrança, feito homenagens póstumas. E isso me deu paz. Por quanto estiver hasteada a bandeira do motociclismo, serão respeitados todos os mortos e todos os vivos que ajudaram a erguê-la e assim ate o final dos tempos. Viva, Falcão! Viva, o motociclismo!