MEU FIEL AMIGO "KARAJAN"
Um dia eu tive um canil: um canil de pastores alemães. Durante um bom tempo convivi com a correria de um criador, com a preocupação de cuidar daqueles que acabaram sendo meus amigos de quatro patas. Conversava com uns, aprendia com outros e acabei por chegar à conclusão que era necessária a presença de um macho capaz de gerar filhos com as qualidades que eu via apontadas nos mais diversos manuais onde encontravam-se descritas as características da raça.
Depois de andar aqui e ali, encontrei um amigo que afirmou : "posso te atender como você precisa". Tenho um macho muito bonito que "precisa de um dono". Infelizmente esse animal ficou nas mãos de pessoas que não cuidaram bem dele e como consequência tem alguns problemas e tornou-se arredio.
Na ocasião eu tinha uma SUV e fui buscá-lo em outra cidade e voltei para casa com ele preso pela guia na parte de trás do veículo. Ele já estava com quase dois anos e portanto era uma animal formado.
Não me estranhou desde o primeiro momento, mas também não me deu a mínima atenção!
Ao chegarmos a nosso destino começou uma maratona de uns quarenta dias pois ele apenas tomava água e não prestava atenção na comida e passou a emagrecer. Preocupado eu não sabia mais o que fazer vitaminas não surtiam efeito, a ração era a que ele comia, e quando eu levava comida, trocava a água e limpava o seu espaço ficava a andar à minha volta sem manifestar nenhuma reação. Nessas ocasiões me perguntava: seria eu apenas um obstáculo a ser observado?
Um dia intrigado sentei-me no tablado no qual ele dormia. Nesse momento ele, com aqueles caninos brancos e nada pequenos, circulava incessantemente à minha volta. Ofereci a ração: nem tomou conhecimento. Em determinado instante, acho que zonzo de tantas voltas, sentou a meu lado com a sua pequena mandíbula próxima de mim. Tive então a ideia de colocar a ração na palma da minha mão ....e ele comeu, coloquei mais e lá se foi a segunda porção e depois a terceira e até que acabou.
No dia seguinte a cena se repetiu ele só aceitava comer se eu estivesse sentado e ele deitado a meu lado comia, não no prato, mas na minha mão. Os dias passaram e ele foi recuperando o peso, seus olhos ganharam um novo brilho e não percebi nenhum sinal de comportamento arredio.
Passou a me acompanhar e comecei a perceber que sabia exatamente como eu estava em cada momento, em cada dia, em cada semana. Não mais eu que aturava as suas manias, mas ele que aturava as minhas.
Em uma ocasião eu estava muito aborrecido com uma noticia de falecimento de uma pessoa distante e tinha de ir à cidade buscar uma pessoa que chegaria de ônibus. Sabe aqueles momentos que você está bem longe a flutuar em suas lembranças esse era meu momento. No caminho, parei para abastecer o carro, e ele rosnou como que avisando ao frentista para não se aproximar muito de mim.
Na rodoviária, encostei o veículo, e quando percebi ele estava com a cabeça em meu ombro sem fazer nada apenas em silêncio.
Em outra ocasião fui à uma exposição de pastores e cansado acabei por sentar-me à sombra de uma árvore: ele fez o mesmo e em silêncio observava quem ia e vinha e só se levantava quando alguém se aproximada um pouco mais e avisava que estava ali de guarda. Naquela ocasião, o amigo que mencionei, se aproximou chamou-o e depois me perguntou: como você conseguiu isso. Ri e falei: "comeu na palma da minha mão, e assim tornou-se meu melhor amigo".
Fomos durante bons anos muito amigos, mas cães vão embora muito cedo e a hora dele acabou por chegar.
Hoje resta a lembrança e algumas fotos arquivadas com carinho.
O Karajan ou Kara para os íntimos era fiel, dedicado, companheiro, não media esforços para ser amigo (muito mais do se pode imaginar), obediente e como guarda não deixava dúvidas de quem era e porque estava ali.
Hoje ele está a dormir à sombra de um pé de jaca, ou como alguns dizem transformou-se em uma estrelinha que está brilhando em noites de lua clara ou em noites de temporal por tras das nuvens carregadas.
Assim é a vida, inicio, meio e fim, e o Karajan, hoje é apenas uma ótima lembrança e uma DOCE saudade.