BICO CALADO NA ADOÇÃO: QUEM OUVE A FALA NÃO VÊ CORAÇÃO

BICO CALADO NA ADOÇÃO

QUEM OUVE A FALA NÃO VÊ CORAÇÃO

"----Nossa! Que sorte teve esta princesa de ter encontrado pais como vocês! E lá no abrigo não tinha uma menorzinha, sem nenhum probleminha não, hein?", indagou uma infeliz na clínica de audiometria tonal.

"---- Sorte mesmo foi a nossa, sabia! Apareceu um monte de gente querendo T. O telefone da busca ativa não parava de tocar até na audiência.

Fomos escolhidos pelo juiz, pela promotora do MP, pela equipe da Vara (CEJA-PE) e por ELA. Foi uma vitória! Viajamos mais de 4 mil Km e fomos no dia das crianças. Gastamos uma fortuna com passagens do Norte ao Nordeste que daria para ir a França e outros lugares.. Fomos a família inteira!

E valeu muito a pena chegar lá e ela vir correndo pela escada do abrigo, com a mochila rosa nas costas, sem nunca ter nos visto e dizer: "Bola pai, bola mãe" (Bola é vamos embora). Ainda não sei qual é o problema. O amor era urgente para ela e para nós.

Na verdade, sabe qual é o maior probleminha? O mundo está cheio de gente idiota e sem noção que acha que o amor de mãe tem idade e reservas. E se o mundo amasse mais seria menos medíocre, menos nojento, menos amargo, menos preconceituoso e não daria opinião indiscreta sem ser chamado, entende? Desculpe-me. Qual era o probleminha mesmo que a senhora queria falar sobre a minha filha?"

A mulher saiu sem dizer mais nada.

Mas minha filha foi correndo até a porta e a abraçou dizendo: "xau tia. Pejo" (pejo é beijo).

(Para minha filha eu queria um texto melhor. Mas este saiu sem planejar. Estou em processo de adoção e na fila de um exame o texto veio sem retórica).

CRÔNICAS DA ADOÇÃO
Enviado por CRÔNICAS DA ADOÇÃO em 27/01/2018
Código do texto: T6237629
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