AO MEU PAI ESPÍRITO

Eu nunca fui espiritualizado, porém não há um único dia em que eu não pense nele. É quase uma presença física. E há sinos em minha cabeça, numa ladainha infindável. “A morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. E foi nisso que me segurei. O remorso é um fardo pesado demais para se carregar; e, eu, há muito, rasguei o bilhete da felicidade. Ao lado de meu pai, no banco cinza da estação, vejo que os trens não partem. Qual a graça em subir a bordo daquilo que nunca se termina? O medo me empurra para as perguntas sobre a imortalidade. E, pasmem, meu pai me dá mais conselhos morto do que vivo; ele é agora o meu único Santo. Invoco-o na agonia. Tenho medo de mim. Não quero mais essa dor que não me dói. Não fui eu que morri. Enfim, os trens partem... - Olho fixamente na mesma direção que meu pai. Nenhuma palavra sai de nossas bocas. Não sou mais eu mesmo. Seguro-lhe a mão mais fortemente. Não sei se o deixo partir (de novo), pois apartado só terei como companhia esses “morcegos Augustianos” a sobrevoar-me à cama.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 20/12/2017
Reeditado em 11/12/2023
Código do texto: T6203869
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