A Rita levou...?
O Vicente Chaves foi o folheiro mais próximo que conheci, há no ocaso dos anos. Do porão onde trabalhava diuturnamente, estendia a valença de sua prestação ao reparo de guarda-chuvas, alguma eventual solda em urinol - desde que chegasse e saísse embrulhado da oficina, para não ofender a vigilância apurada da mulher, Dona Ana - e, quiçá, dava jeito, também clandestino, nalguma mijoleira avariada.
Vivia no casarão antigo e já bien délabré, mas bem mais sóbrio do que modernosa propriedade que o substituiria, e dava pouco ouvido aos bramidos da mulher, mais por graça da surdez galopante que o acometia, do que por trote de fugidia montaria. Mas no olvido, nada lhe caía.
Nas suas passagens ocasionais pelo nosso empoeirado beco perpendicular à sua rua São José, não deixava de fazer uma visitinha à tia Rita, de quem fora pretendente décadas patrás. Quem os visse na sala a prosear em torno dum cafezinho com bolo naquele comedimento próprio dos maduros sonhadores, supunha ver chispas cupídicas mal-adormecidas. E se pausado no falar, o miúdo Vicente era mais convincente na saudade do escutar. Chegava a lacrimejar.
Casara-se com Ana, tiveram filhos já cuidando de suas vidas e descendências, porquanto Rita - à semelhança dos quatro irmãos com quem compartilhava o arremedo de um lar, sob a regência da mãe Inhana - mantivera-se solteira, trabalhadeira, esperançosa videira.
A quadra do arremate existencial levou o casal Chaves a se mudar para a periferia da capital, Belo Horizonte, para os cuidados dos filhos. Pouco afeito às velocidades motorizadas e cada vez mais distante dos ruídos, Vicente desnorteou-se nas suas vagâncias rueiras, embora se comprazesse na aventura de sinalizar e tomar lotação. Duma feita, sem se ater à serventia dos passeios, acenou para um ônibus que vinha, enquanto foi colhido por outro que vinha em direção contrária. A Rita velou.