FACURI EM MEMÓRIA
Partiu nosso amigo Facuri, hoje somos menores. Resta relembrar os bons momentos que partilhamos. Republico aqui a homenagem que lhe prestei um dia.
Reler amenizou-me a saudade. Aquele abraço mermão!
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13 de maio de 2016
O artista Facuri é desses recantistas que coleciona fãs. Quando acesso seus bons textos, sei que vale a pena conviver neste universo de almas que é o Recanto das Letras. Comunicativo como ele só, incumbiu-se da tarefa de ministro do silêncio no Reino de Gorobixaba. Tarefa que, diga-se de passagem, ele tira de letra. Quero homenageá-lo tanto pelo prazer em lê-lo, quanto pelo gosto em comentá-lo. Publico adiante, alguns dos bons momentos que o mesmo tem me propiciado:
Sou fã da neologia
Sobre o teu sítio eu diria
Parece uma "dadivania"
Eu e ele "Dadivando" muito.
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De vez em quando me mudo
Ou mudo o itinerário
Deito fora(rebolo no mato) quase tudo
Tranco esqueletos no armário
Só não suporto é a dor
Se me abandona um amor
Pois não sei ser solitário
(Ou pior , celibatário)
Aqui o papo era sobre a "Corte de Gorobixaba".
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Contemplar silêncio como
Se me pões a gargalhar
Me despertaste o humor
E a fome , vou churrascar!
Eu era só um plebeu lendo poesia aos domingos, enquanto ele: "Um Nobre no Restaurante Gaúcho".
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E assim por quantia módica
A moura torta e corcunda
Ficou perfeita e fecunda
Após um litro de vódica
( Agradecido pela honraria concedida em quebrar o seu silêncio, para me mandar tão importante mensagem, Senhor ministro.)
Voltando à infância com ele e "Sir Aleixenko na Festa".
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Eu que sou louco por fusca
Se vejo um não resisto
Te digo que em minha busca
Muitos horrores assisto
Confesso em sinceridade
Nunca com tanta maldade
Pregado igual a Cristo
Tocado pela via Crucis do seu "Fusca Velho".
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Mas a melhor oportunidade que me concedeu Facuri, foi com o desafio: "Prosa Cearense - Interprete e traduza se for capaz - Desafio com Réplica".
Aqui esbaldamo-nos todos, Abreu ele e eu, com a riqueza do nosso linguajar:
PARTE UM - A Crônica de Abreu
Tentando uma tradução aproximada dos textos apresentados: parece tratar-se de uma intertextualidade entre dois escritores regionalistas, onde o primeiro relata as desventuras de um provável senhor Francisco, abalado por uma decepção amorosa, que embriaga-se e volta para casa refletindo enquanto delira, sobre sua péssima escolha no amor. Também poderia ser escrito assim:
Um certo senhor Francisco, sujeito de conduta reprovável e metido a conquistador ("cabra errado e bonequeiro"), após ingerir uma quantidade exagerada da bebida alcoólica regional, ( "depois de traçar um burrinho e duas meiotas"-aqui o autor se refere, provavelmente, a um litro e mais duas porções de 375 mililitros de aguardente de cana-de-açúcar, de comercialização comum em toda a região Nordeste do Brasil). Cambaleia no entorno de uma árvore e acaba por tropeçar em suas raízes expostas, quando fere e esfola o dedão de um dos pés, estando certamente descalço, além de "penso", ou inclinado, para ressaltar o estado de desequilíbrio causado pela embriaguez.
Um grupo que presencia o tropeço, faz joça do inusitado, num certo clima de riso e apupos: "diabeisso ! Vai papudim !" Expressões que significam : o que diabos é isso !? E papudim, querendo dizer do aspecto, normalmente inchado, do rosto dos adeptos da aguardente.
Francisco os repele com um impropério regional muito comum, que sugere o coito anal ao grupo("aí dento!").
O autor passa a desenvolver o conteúdo da crônica, explicitando os motivos da bebedeira do desafortunado "Chico". Traído num relacionamento amoroso, o boêmio tenta afogar suas dores na bebida enquanto lembra e culpa sua parceira pela desonestidade, sem no entanto, diminuir a própria culpa pela péssima escolha. "Arriado derde ontonti quando o gatoréi que ele acunhava bateu fofo com ele pra engabelar um galalau na Aldeota"- arriado significando caído, desiludido ou mergulhado na bebida por três dias, desde anteontem quando ela o deixou para enganar outro homem, provavelmente alto, pelo bairro da Aldeota. Bairro que aliás, parece não ter fim de tão grande, para quem conhece Fortaleza.
A traição se confirma com as referências "chapéu de couro" pressupondo furos por onde passariam os cornos próprios dos traídos. A seguir o desdém magoado ao descrever a companheira como: "marmota... Só o buraco e a catinga... Catiroba, canelau, fuleragem... dá é gastura!" Várias ofensas e referências negativas do, agora desafeto, amor.
Conclui com a tentativa de colocar um ponto final ao romance desastroso, ao se livrar dos pertences da futura ex-companheira. Alimenta-se para demonstrar um recomeço e vai dormir sonhando, provavelmente, com a própria desgraça que une o cômico e a tragédia.
PARTE DOIS - A Réplica de Facuri
Em sua réplica, o admirável Ammirabile, como ilustre representante do maior estado nordestino do mundo - que é São Paulo - interage com o Abreu, demonstrando-se estupefato com o estado de embriaguez do desiludido Chico. De início um pouco constrangido com a tarefa, logo se sente à vontade e adota o linguajar adaptado, demonstrando sua grande habilidade com as letras. Expressões como "Estar a Migué" ou "Bestiando", revelam o estado de espírito relaxado, próprio do artista, ainda mais no período de festas. A admiração em "Êita cú-de-cana", diz da capacidade do personagem em extrapolar os limites com a bebida. Depois os termos: "Cabra da moléstia e cabra macho", que se colocam como antônimos, mas que têm sentido semelhante, já que "estar com a moléstia" também denota determinação e garra. "Tá de rosca" é perfeito para reclamar da inspiração que demora. "Mode", que já foi prumode ou por modo, significando porquê.
Uma breve passada na Bahia com "Meu rei" e os ótimos "quengo"(cabeça), "leseira" e "que só a peste"(indicando muito) termos muito bem empregados e que usamos em praticamente todo o Nordeste.
Parabenizo efusivamente o amigo Facuri, que já conhecia desde um certo Reino onde brilha e é amado por incontáveis súditos, e agradeço pelo maravilhoso presente que nos proporcionou. Para mim, não poderia ter sido melhor.
NOTAS COMPLEMENTARES
" Sarabui"- Corruptela de sarrabulho, comida típica feita das vísceras de bode ou porco, picados e cozidos em conjunto ao sangue coagulado dos mesmos animais; variações como sarapatel e picado são sinônimos em outros estados da região .
"Estribado"- Pessoa endinheirada.
"Mangar"- Caçoar, fazer galhofa.
"Empanzinar"- Comer em exagero, possível disturbio estomacal.
"Gato-réi"- Gato velho, prostituta sem valor.
"Dar gastura"- sentir enjôo, arreliar, repugnar.
"Se emperiquitar de vez"- variação de se empriquitar... Ou se espritar; Explosão de cólera .
"Rebolar no mato"- Jogar fora, livrar-se de.
MEU ABRAÇO AMIGO FACURI.
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