Novamente: Pequeno tributo a Jorge Lescano, incluindo "Nocturno a La Turca" , do Autor
 


 
         Jorge Lescano foi um índio da Argentina, habitante de Buenos Aires, nascido na região de Entre Rios, vindo pequeno para a capital. Jorge, 'cabecita negra', como se diz em Buenos Aires (os índios são como os negros, para os racistas de lá). Autodidata, aos 9 anos reunia os vizinhos analfabetos para lhes ensinar as primeiras letras. Veio para o Brasil com 27 anos e aqui aprendeu o mais castiço da Língua Portuguesa com Machado de Assis, Guimarães Rosa e outros que tais. Desde que veio para cá só escreveu em nossa Língua. E com que precisão!
         Jorge foi meu companheiro por largos anos e só nos tivemos que separar porque a grande e dolorosa palavra da minha vida foi e é, desde sempre, a palavra RENÚNCIA. Tentei a vida inteira, mas, não houve nem há como escapar dela e ninguém (nem eu) é responsável direto por isso... Ninguém, nunca. São as circunstâncias, são os imperativos da VIDA.
         Jorge, que foi sempre meu grande amigo, cuja partida deste Plano em 06 de maio de 2017 não consigo ainda assimilar...
 
A Jorge Lescano, in memoriam. Ave, pássaro! Ave!






"Nocturno a La Turca" de Jorge Lescano, meu ex-companheiro e sempre amigo

 
Em homenagem... póstuma ao meu caríssimo ex-companheiro e grande amigo de sempre Jorge Lescano,  trago aqui um texto que ele escreveu em 1991, em Castelhano (como ele preferia denominar o Espanhol),  a meu pedido, ele que, desde que veio de Buenos Aires para São Paulo, com 27 anos, começou a escrever apenas em Português, Língua que aprendeu a ler e a escrever com Machado de Assis... Guimarães Rosa... e outros mestres... Língua que em muito pouco tempo veio a dominar também.
         No texto que trago aqui, a escrita se fez em sua Língua nativa.
         Ave, Jorge, tu que partiste em 06 de maio deste 2017. Ave! Ave! 



                               
 
 

Quadro de Matisse, utilizado por Jorge Lescano como ilustração a seu texto





         NOCTURNO A LA TURCA – JORGE LESCANO




Es la hora en que las sombras cierran los horizontes del desierto. En el cielo rojo surge la primera estrella. El filo de la luna recorta el volumen de la tienda, guardada por un soldado de albornoz y alfanje.

Velos, alfombras, flores, adornan
la habitación.Entre almohadas y
alhajas y cojines, el aliento de un
animal cautivo. La mirada oscura
recorre el pelo negro echado sobre
el hombro; las perfumadas frutas de
los senos; las piernas fuertes, de
quien creó caminos en la arena.
Silencio de laúd y una mano desliza
sobre la piel damasco.

El que mató el dragón bajo otra luna
tiene a su cargo la protección de la
doncella. Su arma y corazón,
palabra y mente, presos están a
un juramento. Ni hombres ni cha-
cales permitirá que violen el círcu-
lo que su mirada abarca.

Se esquiva el sueño apesar de la no-
che y la fatiga; distantes el sultán y el
palacio con sus jardines de fuentes y al-
jibes de azulejos. La respiración del hom-
bre del otro lado de los lienzos. El rumor
de sus pasos. El blando sonido de los cas-
cos del caballo.

Mancha blanca en la oscuridad, la bestia
flexiona los miembros, inquieta: anhela el
día o el galope.

El hombre siente correr
la sangre por su cuerpo.

La noche es amplia y solitaria y silenciosa y cálida. ¡¿Un suspiro o la seda acaricia la seda?! En la vaina tintinea el alfanje. Al plenilunio: tules, tapicerías, piedras. La luz busca la piel prohibida, el perfil, el flanco, un muslo de la hembra. Espejismo imposible en la penumbra: sobre la filigrana de la alfombra azul, reclina Zuleika su dorada languidez felina. Lejanos, casi irreales, el bazar, los alminares, el cadalso. Cumplen los pasos su circuito y el soldado vuelve al punto de partida. Con los brazos cruzados sobre el pecho, otea el horizonte.

¡Alá, el Omnisciente, nunca duerme!

 
Nota. O Autor deixa em aberto se o soldado leva a mulher do deserto para o sultão que a aguarda em seu palácio na cidade. Seja qual tenha sido o final desta história "Alá, el Omnisciente, nunca duerme!"




Homenagem a Jorge Lescano, por Zuleika dos Reis, na transcrição aqui, de texto do Autor.




"Meu" índio, quando tinha ainda os cabelos longos... e bigode...no seu  apartamento cheio de livros, onde não cabia quase mais nada além de livros e de nós dois.