AO MEU PAI MORTO
(Ao meu pai morto)
Ontem, estive novamente com o meu pai e conversamos sobre a vida juntos. A voz dele estava embargada, mas com paciência dava pra compreender o que dizia. Muito embora, o olhar fito no canto branco da parede lateral que escorava a nós dois, dissesse mais que tudo. Aquele olhar denunciava o mundo. E eu era o seu mundo. Não havia muitas passagens para lembrar, porque ele sempre fez questão de deixar que eu descobrisse sozinho; embora, vigilante de mim, toda a vida. O nosso último encontro, ainda no plano carnal, foi emblemático. Ele não queria que eu fosse embora de jeito nenhum... Não que minha presença lhe garantisse um tempo a mais de vida... – Ele só queria um tempo a mais comigo. – Pai, eu já vou. – Não! Não! Repetia, insistentemente, balançando a cabeça. Mas, eu fui embora. Claro que carrego comigo a culpa; e, como merecimento, esse remorso sem tamanho. Eu podia (e devia) ter feito mais... – Como ter ficado mais um pouco, por exemplo, para segurar-lhe a mão. – Perdoe-me, pai! Eu nunca soube ser filho. – Eu só aprendi a seguir em frente. Só agora eu sei o que representa a morte. Ela é mais cruel do que eu imaginava, pois mata também os que ficam vivos. Eu queria terminar de descer aqueles degraus para ir trabalhar; no entanto, ele obstaculava a passagem – E a luz que vinha da rua era a única fuga do corredor escuro. A sua silhueta raquítica do fim dos tempos, ainda mais me doía. Ele não merecia ter passado por tanto sofrimento. – Preciso ir, pai... - E, de novo, eu fugia de nós dois. Foi aí que ele me absolveu. – Deus te abençoe, meu filho! E prometeu que nunca mais nos veríamos. Não era ele que precisava de Deus, era eu; e ele voltou para me dizer isso. Quando já estava à porta, olhei para aquele vão estreito e íngreme, atrás de mim. Vi quando ele subiu seus derradeiros passos, até desaparecer em direção ao céu.