Bocetinha

Bem no meio da conversa

sacou de um dos bolsos da calça uma dessas bocetinhas

feitas de pau de sucupira e couro cingido em estórias e metáforas.

Com o movimento dos dedos polegar e indicador da mão direita

- articulados em pinça - apanhou um punhado de pó de imburana e infringiu-o às narinas, uma após a outra.

Os olhos oprimidos piscaram umas duas ou três vezes seguidas

reagindo às lágrimas que se formavam latentes

na medida em que o espirro se condensava corpo adentro

prestes a entrar em erupção.

E antes mesmo de a bocetinha voltar para o bolso da calça

viu-se um sorriso desses ainda bem tímidos, de meia boca apenas

tomar forma no rosto daquele senhorzinho e

assumir contornos que faziam lembrar Minas Gerais.

Nas mãos enrugadas e cheias de marcas do tempo,

aquela bocetinha, erguida à frente de todos

a nos ofertar um trago daquele pó mágico de cheiro extravagante

Oferta irrecusável a qualquer iniciado!

E assim foi... Experiência compartilhada com todos os presentes

o rito de desvirginalização surpreendente, impactante e viciante.

pra uns, o aceite inédito foi transformador

pra outros, a desconfiança típica de quem não sabe, mas quer saber.

Desde criança, aprende-se que aqui nas Minas Gerais

um trago de rapé de imburana na bocetinha

quase sempre antecede uma boa prosa repleta de sabedoria e nostalgia.

Aos iniciados nas coisas, nos troços e nos trem da terra

é possível inclusive,

ver revelada em uma simples caixinha de guardar rapé

todos os traços que caracterizam a identidade deste povo.

A tal mineiridade, já ouviu falar?