Homenagem a um pai distante




Dia dos Pais. Que dizer aos pais? Há palavras que consigam exprimir toda a nossa admiração, gratidão, respeito? Que dizer ao pai que não está mais aqui?

Procurei no dicionário...em mais de um, e não encontrei nada que conseguisse exprimir o que desejava falar-lhe. Fiquei assim... pensando....pensando...em....

Momentos.... de infância ....passeando pelo “morrão”, cada uma de um lado. Era o passeio predileto. O lugar era alto e dava uma visão linda de todo a cidade. Esperávamos o domingo para ir passear com meu pai.

Lembrei-me das manhãs em que ele levantava cedo para fazer o café para nós; ia à padaria comprar o pão quentinho para tomarmos antes de ir para a escola.

Lembrei o dia em que deixei meu boletim escolar com uma nota seis de comportamento em cima da mesa e fui de “fininho” para a escola, estava no terceiro ano do grupo escolar. No meio da aula meu pai está na porta da sala de aula. Queria saber o que eu andava fazendo para ter uma nota daquelas, tão baixa. Nossa! Ele mordia o bigode! Seus olhos azuis estavam cinzas. A professora o conteve. Achei que ao chegar em casa fosse apanhar, aquela surra, mas ele já estava mais calmo e falou com os olhos bem fixos em mim, e me obrigando a encará-lo, que: foi a última vez. Não vai ter outra, escutou, menina. Escola é para estudar e não pra conversar. É desrespeito com a professora e eu não vou admitir isso. Você só não apanha porque eu prometi que você não ia apanhar. Mas vontade eu tenho. Escutou, menina! .Claro que eu escutei e obedeci.

Quando comecei a trabalhar, aquele seu jeito de roça, do interior, fazia a comida de manhã (cinco horas da manhã fazendo comida para nós) para eu não ir trabalhar sem me alimentar muito bem. Não adiantava meus protestos, chororô.... Sem comer não saía. Era o jeito dele de dizer me amava.

Outra demonstração de amor, de cuidado e de proteção dele para comigo era que para ir para o trabalho eu devia pegar o ônibus e precisava andar um bom pedaço até o ponto.
Ele ia comigo , calado, não falava, ou falava muito pouco; ficava esperando o ônibus e só quando eu estava lá dentro, em segurança é que ele virava as costas e ia embora depois de acenar para mim.

Na casa em que morávamos (alugada) tinha um enorme terreno com muitas árvores frutíferas, parecia um pomar e ele passava suas horas livres lá. Ele não trabalhava mais pois sua pressão era sempre muito alta e o coração já estava fraco, inchado...mas ele ficava lá, com a enxada, cavando, plantando , podando, limpando...colhendo e, quando se cansava esticava-se embaixo de uma árvore e lá ficava...talvez lembrando os tempos de juventude. Era muito difícil ele falar de sua vida. Era muito fechado.

Não gostava muito de falar do seu passado. Sabíamos que tinha participado da revolução de 32 e isso fez-lhe um grande mal. Quando dormia não podia-se fazer qualquer ruído que ele sentava de sopetão na cama já com o que tivesse na mão para atirar. Quando percebia que estava tudo bem, que estava em casa, passava a mão na cabeça, esfregava o cabelo, não falava nada... Ficava acordado um bom tempo olhando o teto depois disso. Muita criança fazia barulho e o sobressalto dele e nosso era constante. Talvez fosse por isso que sua pressão estava sempre tão alta e ele dormia lá embaixo da árvore longe da criançada.


Quando eu chegava do trabalho ele já tinha feito o jantar pra minha mãe, ou estava ajudando-a, depois lavava a louça, ou pedia para uma de nós ajudar – cada dia uma lavava ou enxugava a louça –assim não dava briga entre nós, e ninguém se sentia prejudicado ou privilegiado, nem os meninos escapavam – era um “sistema” de igualdade que ele fazia seguir em casa. Quantas vezes o vi no fogão, na pia, lavando arroz, escolhendo o feijão com seus óculos na ponta do nariz.

E quando ele ia nos ensinar fazer contas, fazer listas de compras, que ele pegava o lápis e ficava fazendo movimentos com o lápis escrevendo o que ele queria primeiro no ar, depois no papel. Era o ensaio da escrita. Eu achava interessante e ria caçoando dele...tinha uma letra muito bonita, traço bem firme, inclinada para a direita, como se estivesse escrevendo com uma régua em cima e outra embaixo.

Meu pai. Um ser diferente que eu só fui compreender de verdade e por inteiro ,depois que tive meus filhos. Compreendi seus medos, suas aflições. Que pena que foi assim!
Descobri que você tinha razão, que precisava ser severo, exigente, pois éramos muitos e exigentes de primeira... se não fosse tua firmeza sabe-se lá se seríamos o que somos hoje... tanta dificuldade... tantos perigos rondando a gente...Meu pai um homem forte, lutador, genioso, severo, mas honrado, correto, honesto, trabalhador. Um homem verdadeiro .

Quero dizer a você, pois sei que ele não morreu, que está em outra dimensão, talvez melhor, talvez ainda em tratamento, que eu o amo, amo muito e que peço perdão pelas minhas críticas, minhas malcriações, Peço a Deus para que esteja em paz, que encontre a felicidade. Pai, perdão pelas minhas cretinices. E onde você estiver, sei que é ainda é o meu pai, meu querido pai. Receba meus parabéns pelo seu dia. Um abraço muito forte desta filha que te amou enquanto esteve aqui, que te ama ainda. Como fui e sou uma filha muito “pidoncha “, peço que olhe e ore por nós. Receba os parabéns do seu genro, dos seus netos e dos bisnetos. Todos te desejam muita paz felicidade.


Deus o abençoe e o proteja. Deus o ilumine onde quer que esteja. Feliz dia dos Pais, meu Pai! Meu pai querido pela eternidade!