Julinho Mendes, o nosso amigo caiçara!
O ÚLTIMO DOS CAIÇARAS
A palavra CAIÇARA é de origem Tupi-Guarani, que significa lugar cercado, espécie de cerco de pesca.
Ubatuba, assim como todas as cidades do litoral sudeste brasileiro, é uma cidade cercada pelas montanhas da serra do mar; daí o nome caiçara, onde os índios em tudo que denominavam, era em razão da natureza; então determinaram o nome caiçara à essa nossa região cercada pelas serranias da Mata Atlântica.
“O homem caiçara é uma mistura básica de três etnias: o Índio dono da terra; o Português colonizador e em menor proporção, o Africano escravo. Pela topografia do lugar e sobrevivendo entre terra e mar, o caiçara é considerado um homem anfíbio. A comunidade caiçara formou-se devido ao grande ciclo econômico do período colonial, que após a decadência desse período, fortaleceram-se em colônias e passaram a viver das atividades agrícola, da pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato”(do livro de Antonio Carlos Diegues). O peixe e a caça eram fartos, tudo que se plantava sobejava, era farto. Não se tinha pressa para o trabalho, não existia ganância para o dinheiro, vivia-se na paz e harmonia.
Nas décadas de 60/70 a especulação imobiliária ameaça as comunidades caiçaras, privando-os de suas posses nas praias e lugares pitorescos, mudando seus costumes de vida e de sobrevivência. Se não bastasse a especulação imobiliária, criaram os parques de proteção ambiental, que aniquilou ainda mais o caiçara.
O que a terra lhe dava, hoje não dá mais. O que o mar lhe servia, hoje lhe serve com regadia. Em meio a mineiros, nordestinos e nortistas, povos que viram aqui a facilidade de viver, invadindo mangues e pés de morros; e de ganhar dinheiro, mais fácil do que lavrar as áridas terras do norte, vendendo sorvetes e bugigangas nas praias; o caiçara leva desvantagem, se mistura e se perde no meio desse povo; e o pior de tudo ainda, leva a denominação de povo vagabundo. Hoje o caiçara é um povo em extinção. Seus costumes, seu folclore, sua dança, suas festas, sua religião, sua cultura já não tem a sua espontaneidade. Fala-se em salvar, fala-se em resgatar. O que resta são recordações são memórias e serão memoriais.
Assim como todo dia era dia de índio, todo dia era dia do caiçara. Hoje o índio tem seu dia, assim como o dia 28 de junho é o dia do caiçara. Isso caracteriza o fim dos Últimos e Legítimos Caiçaras, assim como surge o inicio dos Novos Caiçaras “Os Neo-Caiçaras”.
A terra é e sempre será caiçara, pelo menos até o dia em que o mar chegar ao pé da serra. Os novos filhos dessa terra serão caiçaras; terão seus conhecimentos globalizados, suas raízes miscigenadas e suas culturas transgenizadas,... Serão Caiçaras sim! Serão Neo-Caiçaras!
Considera-se O ULTIMO DOS CAIÇARAS, todo aquele nascido entre a serra e o mar; filho de pai e mãe caiçara. Aquele nascido até o final da década de setenta. Aquele que presenciou uma puxada de rede (arrastão) nas areias de nossas praias. Aquele que sente o noroeste, o sudoeste, o terralão. Aquele que sentiu o cheiro de tainha no lagamá, nas noites frias de junho/julho. Aquele que sabe sarjar uma garoupa, escalar uma cavala, sapresá uma prejereba. Aquele que viu pessoas se tratando nas praias de areia monazíticas. Aquele que viu um jundú florido na orla da praia do Itaguá, Grande, Toninhas e outras. Aquele que viu pelas ruas da cidade, a folia de Reis, Espírito Santo, a dança dos Bois, dança de Xiba, a Fita, a Congada. Aquele que conhece uma fruteira de passarinho, uma planta medicinal, uma madeira de lei. Aquele que sabe barrear e sapezar uma casa de taipa. Aquele que sabe fazer farinha de mandioca e caco de biju. Aquele que sabe preparar um peixe com banana verde. Aquele que viu os cachos de jiçaras e galhos de aroeiras forrados de sabiás, arapongas e caga-sebo. Aquele que ouviu os berros das Intanhas em dias de temporal, assim como os silvos dos jaracuçús. Aquele que presenciou caçadores com suas cordas de cachorros saindo para caçar. Aquele que colheu sapinhauá no lagamá das praias e mariscos nas costeiras. Aquele que sabe quando e como plantar uma rama de mandioca, um olho de bananeira. Aquele que tem amor, que vive e respira essa terra. Aquele que respeita, protege e tem carinho por essa terra...
Sim! Todas essas e muitas outras características de conhecimento, sabedoria, vivência, presença... define, até o final da década de setenta um legítimo caiçara, OS ÚLTIMOS DOS CAIÇARAS; a partir daí nascem os NEO-CAIÇARAS.
Nessa transição, do domínio da paz, natureza preservada e fartura; para o domínio da violência, natureza degradada e miséria; ser um dos ÚLTIMOS DOS CAIÇARAS, não é motivo de orgulho. Ser um dos ÚLTIMOS DOS CAIÇARAS será e deverá ser motivo de consideração, sabedoria e respeito.
Júlio César Mendes – Caiçara nascido na cidade de Caraguatatuba no dia 04/03/1962. A partir de dois dias de vida passou a viver em Ubatuba, na casa de n° 940 da rua Cunhambebe, frente a centenária figueira, onde hoje é a Escola Taba Mirim. Neto de caiçaras e filho do casal caiçara Isaias Mendes e de Alcina Pereira Mendes. Casado com Maria Helena M. N. Mendes, tem uma filha: Bruna Novaes Mendes. Brincante e amante da arte e da cultura caiçara, pintor primitivista, artesão, contador de causos e cronista, compositor, percussionista (mestre de bateria de Escolas de Samba de Ubatuba), Presidente do Museu Caiçara. Técnico em Topografia e Matemático, licenciado pela UNITAU, professor efetivo da rede Pública Estadual.
Julinho Mendes
Visite o Museu Caiçara: www.muscai.com.br julinhomendes@terra.com.br
"Este é o nosso amigo Julinho Mendes, inteligente e criativo, representando com muito orgulho as raízes caiçaras." - Silmara Retti