De pai para pai
Romeu Prisco (*)
Sim, apagaram o meu filho. Quem foi e por quê ? Não vi, não sei e nem quero saber. Não, com certeza, ele não era chegado em drogas. Fazia bico de entrega nas feiras livres, estudava à noite e, de vez em quando, ciscava com alguma garota.
Se estou triste ? Claro, que estou triste. Muito. Como qualquer pai que ama seu filho poderia estar. Acontece que não posso esmorecer diante dos outros dois que tenho. Além do mais, preciso preservar a integridade deles. Sabe por quê ? Porque eles suspeitam quem foi o assassino do irmão, que pertenceria a uma gangue aqui do bairro. Porém, eu não quero que abram o bico para nada e por nada, caso contrário, poderão sofrer represálias.
Entre ver o criminoso atrás das grades e ter os filhos que me restam ainda vivos, prefiro a segunda alternativa. Hoje em dia, bandido preso é tão ou mais perigoso que bandido solto. Recebendo visitas íntimas e não-íntimas, modernos aparelhos de comunicação e até mesmo armas, tendo o que comer e onde dormir, em melhores condições do que muitos brasileiros, o presidiário usa seu tempo ocioso se organizando com outros presidiários, com o que passa a alarmar a sociedade de dentro para fora das cadeias. A segurança dos presídios acaba servindo mais de proteção aos que neles se encontram, outra regalia que poucos brasileiros têm, do que um obstáculo às fugas.
Por isso, doutor delegado, sei que o senhor também é pai e vai compreender a minha aflição. Assim, peço-lhe encarecidamente, do fundo do meu coração: arquive o inquérito e deixe o resto pra lá. Ah ! Ia me esquecendo. Estou mudando de endereço...
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(*) Também autor do texto "De mãe para mãe".
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