A Ínsula de Portugal (Ode Ultramarina)
I
Ó terra amada que te desprezo!
Por seres tu tão formal,
E reunir o sofrimento
Que em mim detesto
Não caber.
Por que não podes me compreender?
Mãe querida,
Eu não faço por mal.
Se fujo à tua presúria antiga,
É para reconquistar-lhe a raiz
Que alienas viver.
Eu amo meu país, ouçam todos!
País que nunca conheci.
...
Reconheço-o, amo tanto
Que te invento todos os dias.
Mesmo antes de ver-me em ti
E em ti não viver.
Mas tu te demoras imenso
Neste passado, que me canso
E esqueço tua memória.
Lá fora, no semblante dos comuns
Que do mistério de teu espírito,
Forjam nisso qualquer glória,
Não consigo me reconhecer.
Eu não posso me conter,
E nem quero!
Não posso te imaginar menos original.
Entendam, ao menos uma vez,
Somos filhos de um novo Portugal!
II
Como pôde nascer um Fernando,
um Petrus, ou o que faz o Tiago na toca;
As variações de um Antônio santo.
São todos gênios!
Que não tenhamos azar de vir um Salazar!
E roubar de nós amor que tínhamos p'ra dar.
O que há em nós que não seja ímpeto pelo novo?
Que o horizonte que me cabe seja sempre maior parte.
Que não seja a alma pequena, e não nos falte amor à arte.
Qual é o fado português? Que Portugal queremos ser?
Sonho com a dimensão de tua história,
Queria eu desvenda-la e fazer-me nela grande.
Servir à pátria como detentor de teu escrutínio.
Ser o servo e o tirano, o primogênito de tudo.
E, finalmente, entender o que é sentir ser parte disto!
Bem que sabes, só tua bandeira me conduz
E me alça para onde não há bandeiras.
Do vermelho do nosso sangue
Que atravessa o verde das Ameríndias.
Nos filhos que deserdamos,
Os irmãos que esquecemos em África.
Não estamos a sós!
Assegura-me ó Senhor do mar,
Proporciona-me os delírios gigantes.
Dá a teus filhos pequenos, frutos
Que Adamastor nenhum possa ferir.
À pátria todo mártir há de voltar,
Mas quando vamos deixar de partir?
III
Do que carece a nova Índia?
De quem descendem os velhos mouros,
Qual é a fome do meu povo,
O que ressente a nossa plebe?
É preciso amar nossos filhos
Que nos trouxeram outros amores.
Hoje o que sinto é a ambivalência
De quem compartilha ambos senhores.
Não me invejes, alma ribeira.
Redescobrirei tuas belas honrarias,
Como fizeram Pedros ou Cristóvãos.
Trarei comigo as novas especiarias
E alegres trovas dos emigrados irmãos.
Uni-vos algarvios de além mar,
Já não há corte a quem corte
As asas das lusíadas brasileiras.
Derrubemos, finalmente,
Os muros desta psicológica fronteira.
IV
Portugal, tu és meu ópio.
Tu que não existes,
E te imagino ainda assim.
Como que ao egrégio o sólio,
Tu és o cobertor que nunca alcanço.
Que saudade de teu patrimônio!
Não me lamentes, contudo.
Sou teu último expedicionário,
Tesoureiro do ultramar.
Com o sangue do Novo Mundo,
À moldura de teus encantos
Ainda ei de te pintar.
Sou teu filho pródigo,
E não renego meu dever.
Como, antes, os homens ao mar;
Seja esta minha ode prova:
— Aprenderei a te amar!
[...]
"O mais distante de teus filhos
Inventa à forma de seus sonhos
Outros motivos para além mar."
À teu sempiternal mistério...
São Paulo, Brasil (09-04-2017).