QUEIXAS DE UMA MULHER

Numa desesperada necessidade de contar a respeito de sua vida, a moça se derramava em palavras, especialmente ao considerar sua condição de mulher, numa sociedade presa a padrões, ainda separando os gêneros em rosa pra menina e azul pra menino.

E de sua alma jorrava o que era a sua vida. Mãe, solteira, questionada por alguns sobre o estado civil, enfrentando, há anos, o que fosse, para garantir o mínimo de qualidade de vida aos seus dois filhos.

Com os olhos rasos d’água declarou que não é fácil, às vezes a culpa se sobrepõe a todo o esforço empreendido para cumprir seu objetivo de genitora. Insistiu dizendo que não é fácil suportar essa sociedade que exige explicação pra tudo e que impõe um enquadramento para a mulher.

E sente muito pela forma como o sexo feminino é tratado, pela forma estereotipada a ele atribuída, de um modelo ultrapassado de mulher: a dona de casa; a que prepara a comida enquanto o marido vê o futebol; a que pode ser traída, mas não pode revidar, porque é feio... falar palavrão, nem pensar!

Mencionou algumas situações desconfortáveis para uma mulher, das quais duas eu não me esqueci. Uma, é aquela fala de machões que atribuem qualquer problema no trânsito a mulheres no volante. Outra, é uma fala da mais alta imbecilidade, que diz: “quem gosta de homem é viado; mulher gosta é de dinheiro”. Podre! Tive que apoiá-la em suas colocações, aliás, o fiz desde o início.

Falou ainda de suas paixões, das histórias de amor que fracassaram porque a mente masculina estupidamente a trata como se necessitasse de um macho pra viver. Imaginam que podem chegar e ficar, como se estivessem fazendo a ela algum tipo de favor. Ressaltou que casamento nunca foi prioridade na sua vida, tanto que resolveu seguir sozinha, já que a relação que mantinha não era feliz.

Disse­-me não entender por que o sexo oposto é, muitas vezes, tão insensível, narrando alguns episódios de cantadas baratas de homens que reduzem um relacionamento ao ato sexual. Confessou-me que já se sentiu humilhada diante de um idiota que em tom de deboche disse não entender suas escusas para não ir pra cama com ele, se já tinha filhos.

E seguiu falando... até chegar nas conquistas, assim ganhando ânimo, crescendo, retomando a força própria da mulher guerreira que ela é. Aquelas lágrimas eram de emoção pela sua ousadia frente aos desafios e pelo êxito alcançado no que se propôs a ser na vida, permitindo-se ser livre para fazer suas escolhas, desde as mais simples, como o corte de cabelo ou o tipo de roupa que queria usar.

Vi-me diante de uma mulher que resiste. Chora, mas resiste!

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 07/03/2017
Reeditado em 08/03/2017
Código do texto: T5933611
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.