“O AMOR É TUDO NA VIDA”

O cheiro de pão quentinho tomava conta da casa! Era feito com muito cuidado, assado sobre folhas de bananeiras no forno a lenha.

Mal chegava na currutela para passar as férias, minha avó já enchia a mesa de guloseimas, além do pão caseiro que ela tanto gostava. E logo apareciam o pé-de-moleque, bolo de milho, biscoito de polvilho e um delicioso pudim! Ah, o pudim... Quando D.Renê batia os ingredientes, já era sabido que eu chegaria naquele dia. O tal pudim era tão poderoso que causava ciúmes em quem chegasse primeiro.

Depois da comilança, vinham os cafunés acompanhados da desculpa de catar piolho. Minha vó sentava no sofá azul estampado, ajeitava a saia mais abaixo do joelho do que estava, afagava meus cabelos longos e enrolados e eu adormecia com a cabeça em seu colo.

Os dias passavam tão depressa que nós nem notávamos. A todo lugar que ela ia, eu ia junto como um carrapicho na barra da saia. Cuidávamos da casa, das galinhas e das plantas.

Eu adorava ouvir as velhas histórias que a vovó sempre contava. Mesmo sabendo de cor, me sentava ao lado dela e ouvia como se fosse a primeira vez. A que mais gostava era a história da moça que falava palavrão e o “coisa ruim” se escondia atrás da porta da casa dela para atormentá-la. A vó dizia que quem fala palavrão está chamando o “cão”. Meus olhos de criança curiosa brilhavam de admiração diante da criatura que eu mais amava na vida.

Meu avô ficava de olho em nós, que mais parecíamos duas meninas brincando. Ele ria escondido, mas de vez em quando eu percebia pelo jeito que ele olhava.

Na hora de dormir ele entrava na onda! Eu fugia da cama que a vó arrumava pra mim e corria para debaixo do cobertor dos dois velhos. Diversão garantida, começava um verdadeiro campeonato de “pum”! Depois de muitas gargalhadas, os três dormiam encolhidos na antiga e aconchegante cama de madeira.

Pela manhã, eu acordava com o barulho do assovio dela, enquanto fazia café e fritava mandioca. Levantava e ficava parada na porta da cozinha, esfregando meus os olhos com charminho e aguardando o “bom dia” dela para não interromper sua cantoria assoviada.

Quando terminavam as férias, minha avó me abraçava bem forte e sempre dizia: “o amor é tudo na vida”!

Deixei de ser menina, mas continuei sendo a netinha que se sentia no paraíso na casa dos avós, por muitos anos, até que os dias de férias já não foram mais os mesmos depois da partida de meu avô. As histórias dela passaram a ser tristes e chorosas. E pude contar a ela essa história sobre nossas travessuras e amor, embora na primeira versão, fosse mais alegre.

As velhas férias se tornaram eternas e quando criança eu soube que o amor se chamava Vó. Ela, há pouco, também partiu e suas histórias ficaram na memória. Quando ela dizia que “o amor é tudo na vida”, ela sabia das coisas, “sim, senhor”!

(Renê Mariano Valverde, in memorian)

Michele Valverde
Enviado por Michele Valverde em 07/02/2017
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